Dicas - Vestibular - 2018
FUVEST - USP
Iracema ‐ José de Alencar
Memórias póstumas de Brás Cubas ‐ Machado de Assis
A relíquia ‐ Eça de Queirós
O cortiço ‐ Aluísio Azevedo
Vidas secas ‐ Graciliano Ramos
Minha vida de menina ‐ Helena Morley
Claro enigma ‐ Carlos Drummond de Andrade
Sagarana ‐ João Guimarães Rosa
Mayombe ‐ Pepetela
Memórias póstumas de Brás Cubas ‐ Machado de Assis
A relíquia ‐ Eça de Queirós
O cortiço ‐ Aluísio Azevedo
Vidas secas ‐ Graciliano Ramos
Minha vida de menina ‐ Helena Morley
Claro enigma ‐ Carlos Drummond de Andrade
Sagarana ‐ João Guimarães Rosa
Mayombe ‐ Pepetela
________________________________________
Iracema ‐ José de Alencar
Iracema
José de
Alencar
Resumo
"Verdes mares bravios de minha
terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba [...]" Com essas
palavras, José de Alencar começa "Iracema",
a que chama "Lenda do Ceará" e que é, na verdade, um texto de difícil
classificação.
Trata-se claramente de um romance se consideramos seu enredo. Por outro lado, é
um poema em prosa, se levarmos em conta o estilo, em que predomina o lirismo
amoroso e a exploração do vocabulário indígena no português falado no Brasil.
Certamente um ponto altíssimo no conjunto da obra de José de Alencar, "Iracema" -
apesar das dificuldades que a linguagem pode apresentar ao leitor de hoje -
merece de fato ser lido, do começo ao fim.
O texto é muito breve, com cerca de 80 páginas nas edições mais recentes. No
entanto, seu enredo é repleto de aventuras e peripécias, bem ao gosto do
Romantismo, escola literária da qual Alencar é um dos maiores expoentes no
Brasil. A história se inicia com o guerreiro branco Martim Soares Moreno, amigo
dos índios pitiguaras, que habitavam o litoral, perdendo-se nas matas. Lá foi
encontrado por Iracema, a deslumbrante virgem, filha do pajé Araquém, da tribo
dos tabajaras, habitantes do interior da região.
Iracema acolheu o jovem branco e o levou para sua tribo, onde ele foi recebido
como hóspede e amigo. Ao inteirar-se da celebração que os tabajaras faziam a
seu grande chefe Irapuã, que vai comandá-los num combate aos pitiguaras, Martim
resolveu fugir, naquela mesma noite. Iracema o impediu, pedindo-lhe que
aguardasse a volta de seu irmão Caubi, que poderia guiá-lo pelas matas.
Triângulo amoroso
Aos poucos, surge afeto entre Iracema e Martim, que logo se transforma em
paixão. A situação se complica, pois Irapuã também estava apaixonado pela índia
e tentou matar Martim quando este já deixava a aldeia, após descobrir que
Iracema, por ser filha do pajé e guardiã do segredo da jurema, deve permanecer
solteira.
No entanto, a união dos dois se consuma numa noite em que Martim, em sonho,
imaginou possuir Iracema, sendo que esta de fato se entregou a ele. Desse modo,
quando Martim decide partir para escapar a Irapuã e aos tabajaras, Iracema lhe
revelou a verdade e se dispôs a segui-lo. Os dois partiram ao encontro de Poti,
chefe dos pitiguaras, que considerava Martim seu irmão. Foram seguidos por
Irapuã e os tabajaras, o que resulta no conflito entre as duas tribos
adversárias.
Mesmo sofrendo pela derrota de seu povo e pela morte de muitos dos seus,
Iracema segue Martim e passa a viver com ele na tribo de Poti. Com o passar do
tempo, porém, Martim se mostra desinteressado pela esposa, parece sentir saudades
da civilização de onde veio, mas sabe que não pode ir para lá e levar Iracema
com ele. Nesse ínterim, o guerreiro branco - que adotou o nome indígena de
Coatiabo - enfrenta diversos combates, enquanto Iracema engravida de um filho
seu. Ainda assim, a índia sofre as constantes ausências do marido e definha de
tristeza.
O filho do sofrimento
Ao voltar de uma batalha, Martim encontra Iracema com seu filho - a quem ela
chamou Moacir, que significa "o filho do sofrimento". A índia está
extremamente debilitada. Só teve forças para entregar o filho ao pai e
pedir-lhe que a enterrasse aos pés de um coqueiro de que ela tanto gostava. O
lugar onde Iracema foi enterrada passou a se chamar Ceará - segundo a tradição,
Ceará significa canto da jandaia, a ave de estimação de Iracema.
Sofrendo a perda de Iracema, Martim retorna a sua pátria com o filho. Quatro
anos depois, volta novamente ao Brasil, onde ajuda a implantar a fé cristã,
convertendo Poti, que recebeu o nome de Felipe Camarão. Os dois ajudaram o
comandante Jerônimo de Albuquerque na luta contra os holandeses. Quando podia,
Martim ia ao local onde Iracema estava enterrada e se deixava consumir pela
saudade.
O simbolismo da narrativa de Alencar é evidente: do cruzamento das duas raças -
o europeu e o índio - nasce o brasileiro. Nesse sentido, a obra é uma expressão
do Indianismo que caracterizou a primeira fase do Romantismo no Brasil. O país - cuja
independência completava 43 anos à publicação de Iracema (1865) - precisava
valorizar suas raízes e sua história, para afirmar-se como nação livre e
soberana.
Iracema: Análise do livro de José de Alencar
"Verdes mares bravios de minha terra natal,
onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba [...]" Com essas
palavras, José de Alencar começa
"Iracema", a que chama "Lenda do Ceará" e que é, na verdade, um
texto de difícil classificação.
Trata-se claramente de um romance se consideramos seu enredo. Por outro lado, é
um poema em prosa, se levarmos em conta o
estilo, em que predomina o lirismo amoroso e a exploração do vocabulário
indígena no português falado no Brasil.
Certamente um ponto altíssimo no conjunto da obra de José de Alencar,
"Iracema" - apesar das dificuldades que a linguagem pode apresentar
ao leitor de hoje - merece de fato ser lido, do começo ao fim.
O texto é muito breve, com cerca de 80 páginas nas edições mais recentes. No
entanto, seu enredo é repleto de aventuras e peripécias, bem ao gosto do Romantismo, escola literária da qual
Alencar é um dos maiores expoentes no Brasil.
Enredo
A história se inicia com o guerreiro branco Martim Soares Moreno, amigo dos índios pitiguaras, que
habitavam o litoral, perdendo-se nas matas. Lá foi encontrado por Iracema, a deslumbrante virgem, filha do pajé Araquém, da tribo dos tabajaras, habitantes do interior
da região.
Iracema acolheu o jovem branco e o levou para sua tribo, onde ele foi recebido
como hóspede e amigo. Ao inteirar-se da celebração que os tabajaras faziam a
seu grande chefe Irapuã, que vai comandá-los num
combate aos pitiguaras, Martim resolveu fugir, naquela mesma noite. Iracema o
impediu, pedindo-lhe que aguardasse a volta de seu irmão Caubi, que poderia guiá-lo pelas matas.
Triângulo amoroso
Aos poucos, surge um afeto entre Iracema e Martim,
que logo se transformou em paixão. A situação se complica, pois Irapuã também
estava apaixonado pela índia e tentou matar Martim quando este já deixava a
aldeia, após descobrir que Iracema, por ser filha do pajé e guardiã do segredo
da jurema, deve permanecer solteira.
No entanto, a união dos dois se consuma numa noite em que Martim, em sonho,
imaginou possuir Iracema, sendo que esta de fato se entregou a ele. Desse modo,
quando Martim decide partir para escapar a Irapuã e aos tabajaras, Iracema lhe
revelou a verdade e se dispôs a segui-lo. Os dois partiram ao encontro de Poti,
chefe dos pitiguaras, que considerava Martim seu irmão. Foram seguidos por
Irapuã e os tabajaras, o que resulta no conflito entre as duas tribos
adversárias.
Mesmo sofrendo pela derrota de seu povo e pela morte de muitos dos seus,
Iracema segue Martim e passa a viver com ele na tribo de Poti. Com o passar do
tempo, porém, Martim se mostra desinteressado pela esposa, parece sentir
saudades da civilização de onde veio, mas sabe que não pode ir para lá e levar
Iracema com ele. Nesse ínterim, o guerreiro branco - que adotou o nome indígena
de Coatiabo - enfrenta diversos combates, enquanto Iracema engravida de um
filho seu. Ainda assim, a índia sofre as constantes ausências do marido e
definha de tristeza.
O filho do sofrimento
Ao voltar de uma batalha, Martim encontra Iracema
com seu filho - a quem ela chamou Moacir, que
significa "o filho do sofrimento". A índia está extremamente
debilitada. Só teve forças para entregar o filho ao pai e pedir-lhe que a
enterrasse aos pés de um coqueiro de que ela tanto gostava. O lugar onde
Iracema foi enterrado passou a se chamar Ceará - segundo a tradição, Ceará
significa canto da jandaia, a ave de estimação de Iracema.
Sofrendo a perda de Iracema, Martim retorna a sua pátria com o filho. Quatro
anos depois, volta novamente ao Brasil, onde ajuda a implantar a fé cristã,
convertendo Poti, que recebeu o nome de Felipe Camarão. Os dois ajudaram o
comandante Jerônimo de Albuquerque na luta contra os holandeses. Quando podia,
Martim ia ao local onde Iracema estava enterrado e se deixava consumir pela
saudade.
O simbolismo da narrativa de Alencar é evidente: do cruzamento das duas raças -
o europeu e o índio - nasce o brasileiro. Nesse sentido, a obra é uma expressão
do Indianismo que caracterizou a primeira fase do Romantismo no Brasil. O país - cuja
independência completava 43 anos à publicação de Iracema (1865) - precisava
valorizar suas raízes e sua história, para afirmar-se como nação livre e soberana.
Exercícios - Iracema
Lista
de questões de vestibulares sobre o livro Iracema, de José de Alencar.
Ler artigo Iracema.
Ler artigo Iracema.
Exercício
1: (FUVEST 2009)
Em
um poema escrito em louvor de Iracema, Manuel Bandeira afirma que, ao compor
esse livro, Alencar:
“[...]
escreveu o que é mais poema Que romance, e poema menos Que um mito, melhor que
Vênus.”
Segundo
Bandeira, em Iracema:
A)
|
Alencar parte da ficção literária em direção à
narrativa mítica, dispensando referências a coordenadas e personagens
históricas.
|
B)
|
o caráter poemático dado ao texto predomina sobre
a narrativa em prosa, sendo, por sua vez, superado pela constituição de um
mito literário.
|
C)
|
a mitologia tupi está para a mitologia clássica,
predominante no texto, assim como a prosa está para a poesia.
|
D)
|
ao fundir romance e poema, Alencar,
involuntariamente, produziu uma lenda do Ceará, superior à mitologia
clássica.
|
E)
|
estabelece-se uma hierarquia de gêneros
literários, na qual o termo superior, ou dominante, é a prosa romanesca, e o
termo inferior, o mito.
|
Resolução:
A
alternativa que melhor interpreta as palavras de Manuel Bandeira sobre o
romance Iracema, de José de Alencar, é a letra B: “o caráter
poemático dado ao texto predomina sobre a narrativa em prosa, sendo, por sua
vez, superado pela constituição de um mito literário”.
A
letra A está incorreta, pois o autor não dispensa as referências a coordenadas
e personagens históricas, pelo contrário, o romance é dotado de itens
históricos que fazem do mesmo uma lenda do nascimento do povo cearense e da
união entre o português e o índio.
A
letra C está incorreta por fazer uma relação entre a mitologia tupi e a
mitologia clássica, relacionando-as com prosa e poesia. Esta relação é
inexistente no romance.
A
letra D está incorreta pois Manuel Bandeira não afirma que o autor fundiu
romance e poema e nem que involuntariamente produziu esta lenda, pelo
contrário, elogia sua capacidade de, em um romance, deixar transbordar a
poesia, e de construir tal lenda, comparando-a à mitologia clássica.
A
letra E está incorreta, pois a hierarquia que Manuel Bandeira estabelece coloca
como termo superior a mitologia clássica, e como construção inferior o romance.
Exercício
2: (UFSC 2011)
A
partir da leitura do romance Iracema, e considerando o contexto do
Romantismo brasileiro, assinale a(s) proposição(ões) CORRETA(S).
1)
|
Ao seduzir e possuir Iracema, Martim está
consciente dos seus atos, e isso constitui traição tanto aos seus valores
cristãos quanto à hospitalidade de Araquém. Quebra-se aqui, portanto, uma
importante característica do Romantismo, a idealização do herói, que jamais
comete ações vis.
|
2)
|
Em Iracema, os elementos humanos e
naturais não se mesclam. Nas descrições que faz de Iracema, por exemplo,
Alencar evita compará-la a seres da natureza, pois isso seria contrário ao
princípio romântico de valorização de uma natureza pura, não contaminada pela
presença humana.
|
4)
|
A adjetivação abundante (“ardente chama”;
“intenso fogo”; “tépido ninho”; “vivosrubores”)
é uma importante característica da prosa romântica, que será mais tarde
evitada por escritores realistas.
|
8)
|
Ao entregar-se a Martim, Iracema deixa de ser
virgem e, portanto, não poderia mais ser a guardiã do segredo da jurema;
ainda assim continua a sê-lo, só deixando de preparar e servir a bebida
quando Caubi descobre sua gravidez e a expulsa da tribo.
|
16)
|
Entre as várias manifestações do nacionalismo
romântico presentes em Iracema, está o desejo de mostrar o povo
brasileiro como híbrido, constituído pela fusão das raças negra, indígena e
branca.
|
32)
|
Além de indianista, Iracema é
também um romance histórico; serve assim duplamente ao projeto nacionalista
da literatura romântica brasileira.
|
Resolução:
Nesta
questão, há duas proposições corretas quanto ao romance Iracema, pertencente
ao Romantismo brasileiro. São elas, a proposição 4: “A
adjetivação abundante (‘ardente chama’; ‘intenso fogo’; ‘tépido ninho’; ‘vivos
rubores’) é uma importante característica da prosa romântica, que será mais
tarde evitada por escritores realistas” e a proposição
32: “Além de indianista, Iracema é também um romance histórico;
serve assim duplamente ao projeto nacionalista da literatura romântica
brasileira”.
Sendo
assim, deduz-se que as demais proposições estão incorretas. Vejamos
as justificativas:
A proposição
1 está incorreta pois Martim não seduziu Iracema, ao
contrário, apesar de resistir muito aos seus “encantos”, acabou se deixando
levar pelo amor impetuoso que sentiu pela índia, e ao vê-la em seus braços, a
desposou. A ação dele, portanto, não foi vil, e não se perdeu a característica
do herói romântico.
A proposição
2 está incorreta pois os elementos humanos e naturais
são mesclados o tempo todo, já que Iracema faz parte daquela natureza, sendo
indígena; e nas descrições o autor faz diversas comparações entre as características
de Iracema e os seres da natureza. Estas comparações não ferem o princípio
romântico de valorizar uma natureza pura, pelo contrário, fazem com que Iracema
seja descrita como parte desta natureza pura, embora sendo humana.
A proposição
8 está incorreta pois após Iracema entregar-se a
Martim, este vai embora, fazendo com que ela vá embora à sua procura. Deixa,
pois, de ser guardiã do segredo da Jurema. Somente após ir embora de sua tribo
Iracema descobre a gravidez.
A proposição
16 está incorreta pois o romance mostra a
miscigenação do povo brasileiro somente através da junção do branco com o
índio. O romance não apresenta a miscigenação com o negro.
_________________________________________________________________________
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis
Análise do livro Memórias de um Sargento de
Milícias
Manuel Antonio de Almeida
Resumo
Queda da idealização romântica dos personagens, mostrando-nos,
inclusive, a figura de um anti-herói como protagonista do enredo.
Enfoque de época (tempo) diferenciado do habitualmente apresentado pelos
romances românticos. Fala-se do período da vinda da família real para o
Brasil, do tempo em que D. João VI refugiou-se no Rio de Janeiro, ou seja, do
início do século 19.
Apresenta-se a vida suburbana do Rio de Janeiro, os subúrbios cariocas
constituem o espaço estilizado, em contraste com a vida da corte, que
normalmente surge em obras do Romantismo.
A linguagem é popularesca, coloquial, mais de acordo com pessoas de nível
cultural inferior, pertencente a camadas sociais simples.
Contraste entre posturas moralizantes e atitudes que vão contra os preceitos
morais.
Retrata o grupo dos portugueses que povoam o Rio de Janeiro da época, com seus
costumes e peculiaridades.
Traz, em sua essência, traços carnavalizados, como o contraste entre as
propostas de seriedade e ordem e os momentos de completa desorganização.
Enquadram-se, ainda, como componentes dos referidos traços, a forte presença do
humor na obra. O caricatural, o que faz rir, a ironia, misturam-se em um conjunto
que retrata o ridículo de diversas situações retratadas.
Temos uma obra ainda romântica, porém com certo caráter picaresco, herança
espanhola que traz à tona uma visão divertida de determinada época.
Não há o predomínio da linearidade na obra, pois acontecem digressões e a
quebra do enredo interrompe comentários, explicações.
Várias tramas desenvolvem-se ao mesmo tempo, sendo Leonardo, o personagem
central, responsável por atá-las tornando-se o elo entre elas, o que permite
que a obra seja denominada também de novela.
Uso da linguagem conotativa ou figurada.
No final, a vida de Leonardo organiza-se, tudo se encaixa satisfatoriamente,
mostrando-nos mais claramente a presença do Romantismo no texto.
Aparecem diversas explicações sobre a obra na própria obra, o que demonstra o
uso da metalinguagem pelo autor.
O foco narrativo é em terceira pessoa, com um narrador onisciente, que
interfere no texto, faz observações e busca contato com o leitor (tentativa de
diálogo).
Existe dinamismo e ação em todo o decorrer da história.
Ao final da obra, o que impera é a ordem sobre a desordem, fechando-se o
processo de carnavalização.
Forma-se, no todo, um grande painel do Rio de Janeiro na época enfocada. A
crítica social pode ser sentida no desenvolvimento da trama.
Leonardo foi o precursor de Macunaíma, o qual só surgiria no Modernismo.
Personagens
do livro Memórias de um Sargento de Milícias
Manuel Antonio de Almeida
· Leonardo ou Leonardinho -
o anti-herói ou herói picaresco do romance, vadio, malandro, que adora fazer
estripulias e criar problemas. Mulherengo, quase perde seu amor, por ser
inconsciente. É criado pelo padrinho, já que os pais se separam e não têm
paciência para lhe suportar as traquinagens. Chega a ser preso, torna-se
granadeiro e Sargento de Milícias. Casa-se e torna-se assentado.
· Luisinha - moça
com a qual Leonardo se casa. Em princípio é desengonçada e estranha, depois
melhora. Casa-se com José Manuel, por influência da tia, arranjando um
marido que só deseja seus bens. É órfã. Fica viúva e une-se a Leonardo.
· Vidinha - mulata
jovem, bonita e animada, toca viola e canta modinhas. Cativa Leonardo, que
vive em sua casa por algum tempo.
· O Compadre - barbeiro
de profissão, cria Leonardo, protege-o e acaba deixando-lhe uma herança que
surrupiou do comandante de um navio.
· A Comadre -
defende e acompanha Leonardo em qualquer circunstância. Adora o
afilhado.
· D. Maria - doida
por uma demanda judicial, ganha a guarda de Luisinha, quando ela perde os
pais.
· José Manuel -
salafrário e calculista, casa-se com Luisinha por dinheiro e morre.
· Major Vidigal -
militar que persegue Leonardo, até conseguir integrá-lo às forças milicianas.
Calcado em uma figura real.
· Leonardo Pataca -
pai de Leonardo, acaba casado com Chiquinha, depois que abandona o filho com
o compadre.
· Maria da Hortaliça -
mãe do personagem, portuguesa, trai o Pataca e foge com outro para
Portugal.
· Chiquinha -
casa-se com Leonardo Pataca. É filha da Comadre.
1ª parte do
livro Memórias de um Sargento de Milícias
Manuel Antonio de Almeida
Resumo
· Capítulo 1
Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça embarcam para o Brasil. Entre pisadelas e beliscões os dois jovens portugueses enamoram-se, envolvem-se e, meses mais tarde, nasce Leonardinho, o protagonista do romance. É, estranhamente, um menino gordo e grande, apesar de ter nascido tão cedo. A parteira e o barbeiro são seus padrinhos de batismo.
· Capítulo 2
Leonardo Pataca descobre-se traído por Maria e surra a mulher. O amante que estava com ela desaparece. Leonardinho rasga uns documentos que o pai esquecera sobre a mesa. O pai dá-lhe um pontapé que o manda longe. O menino vai viver com o padrinho. Maria da Hortaliça já não se encontra com o marido, pois fugira para Portugal com o capitão de um navio.
· Capítulo 3
O padrinho protege Leonardo. A madrinha cobra energia do barbeiro. Acha que Leonardo precisa ser castigado, já que é levado demais. O padrinho quer o afilhado padre, pois anda apreensivo com o futuro do pequeno.
· Capítulo 4
Apaixonado por uma cigana que não o quer, Leonardo Pataca acaba preso, por recorrer a bruxarias, a fim de conquistá-la. Quem o prende é o Major Vidigal.
· Capítulo 5
O narrador fala de Vidigal, um homem temido e influente, apesar de parecer mole e lento. Ele é cruel com os que não trabalham e não tem piedade dos criminosos. Todos os que participavam da cerimônia de feitiçaria com Leonardo são chicoteados, para que dancem, até que não mais aguentem. Leonardo Pataca acaba na cadeia.
· Capítulo 6
A comadre consegue libertar Leonardo Pataca. Leonardinho dorme em um acampamento cigano depois de seguir a procissão.
· Capítulo 7
Fala da comadre, de seus momentos de esperteza e dos de inocência, da profissão de parteira, de suas benzedeiras, cochichos e rezas.
· Capítulo 8
A Comadre pedira a um tenente-coronel seu conhecido que conseguisse do rei algum benefício para Leonardo Pataca.
· Capítulo 9
Conta-se a história do padrinho, que se apossou das economias de um capitão, às portas da morte, ao invés de entregá-las à filha do falecido, conforme prometera. O dinheiro proporciona-lhe uma vida boa e confortável.
· Capítulo 10
Leonardo fora libertado, porque o tenente-coronel tinha um filho que seduzira Maria da Hortaliça em Portugal, deflorando-a e abandonando-a, em tempos passados, e ajudar Pataca foi uma forma de pagar pelo mal cometido pelo filho.
· Capítulo 11
Leonardinho não tem vocação para padre e é lerdo para aprender. O padrinho preocupa-se por ele. A vizinha briga com o petiz, que a imita. O padrinho, que já discutira com ela, por causa da desavença com o pequeno, diverte-se com a imitação feita.
· Capítulo 12
Na escola, Leonardinho é punido constantemente com a palmatória, pois só faz travessuras. Termina abandonando os estudos, depois de muito fugir da escola.
· Capítulo 13
Leonardinho fica amigo de um garoto que é coroinha e diz ao padrinho que também gostaria de servir na Igreja, como o outro. Em verdade, por ser malandro demais e não gostar dos estudos, o menino pretende encontrar um meio de fazer mais peraltices. Como o barbeiro tem vontade que o pequeno siga a carreira sacerdotal, imagina que será bom que ele comece a conviver no meio eclesiástico. Sabe que, apesar de tê-lo feito frequentar a escola novamente, o afilhado não se empenha e vive fugindo das aulas. Os meninos, que se tornaram amigos em uma das fugas de Leonardinho, vingam-se da vizinha com a qual o padrinho brigara, jogando fumaça de incenso em seu rosto e também lhe entornando um pouco de cera na mantilha que estava usando.
· Capítulo 14
A cigana com a qual Leonardo Pataca se havia envolvido é amante de um padre que exerce a função de mestre de cerimônias da Igreja da Sé. Ele deverá proferir o sermão, por ocasião de uma festa que ocorrerá na igreja em questão. Um capuchinho italiano toma-lhe o lugar no púlpito, quando o padre se atrasa para a cerimônia. Em realidade, o grande responsável pelo problema é Leonardinho, que lhe informa o horário do acontecimento com uma hora de diferença do que deveria ser. Acaba sendo mandado embora, pelo que fez.
· Capítulo 15
Chico-Juca é contratado para comparecer a uma reunião festiva que ocorrerá na casa da cigana da qual Pataca gosta. É a forma que o pai de Leonardinho arranja para se vingar dela e do padre com o qual se envolvera. Não satisfeito com o que já programara, Pataca complementa sua vingança, avisando o Major Vidigal do que está ocorrendo. O padre vai parar na cadeia, para a satisfação de Leonardo.
· Capítulo 16
As coisas encaminham-se muito mal para o padre flagrado pelo Major. Arrependido e humilhado, ele toma a decisão de deixar a amante cigana. Mesmo desagradando a comadre, que tanto o ajudara, Leonardo Pataca retoma o relacionamento com a traidora e é recriminado por sua atitude. Chocada, a comadre o repreende.
· Capítulo 17
A gorda D. Maria simpatiza com Leonardinho. Ela aprecia demais as demandas ou ações judiciais. Quando acontece a procissão recebe o Compadre em sua casa, além do afilhado. Também estão lá a Comadre e a vizinha, que tem a saia pisada pelo pequeno peralta, enquanto todos falam a respeito das traquinagens que ele faz o tempo todo. Leonardinho rasga a saia da mulher e continua a centralizar o assunto da conversa, já que trocam ideias sobre seu futuro. Para a velha senhora dona da casa, em toda a sua bondade e amor pelos menos afortunados, o menino deve-se tornar um "procurador de causas", pois seria o melhor para ele.
· Capítulo 18
Mais velho, Leonardo Pataca junta-se a Chiquinha, filha da Comadre, com quem acabará tendo uma filha. Quanto a Leonardinho, torna-se, segundo o narrador, um "vadio-mestre", um "vadio-tipo". Vão por água abaixo os planos feitos para ele pelo compadre, pois não se torna padre. Tão pouco segue os desejos da Comadre ou de Dona Maria. Sem trabalho, sem preocupações, leva a vida aventureira que lhe é tremendamente agradável. Faz visitas a D. Maria, acompanhando o padrinho. A velha senhora vencera mais uma de suas demandas, tornando-se tutora de uma sobrinha órfã chamada Luisinha. A moça veio da roça e é uma pessoa desengonçada, alta e magricela. Sua herança havia sido de mil cruzados. Leonardinho tem dificuldade em controlar o riso quando a conhece, em um longo vestido de chita roxa, muito deselegante. E sempre se ri, quando se lembra dela. E sempre se lembra dela.
· Capítulo 19
Leonardinho e Luisinha aproximam-se gradativamente e o amor entre eles começa a brotar.
· Capítulo 20
Depois que acontece a Festa do Divino, o casal torna-se mais unido e íntimo, fortalecendo os sentimentos que nutrem um pelo outro.
· Capítulo 21
Visitando D. Maria, padrinho e afilhado veem-se diante do Sr. José Manuel, um velhaco de primeira, que adula a velha para conseguir chegar até Luisinha. Suas pretensões visam à herança que a moça deverá receber com a morte de D. Maria, já que será a única beneficiária da tutora.
· Capítulo 22
A Comadre une-se ao Compadre, a fim de traçarem seus planos para desarmar a tramoia de José Manuel e auxiliar o afilhado.
· Capítulo 23
Leonardinho já se apercebeu das intenções de José Manuel e sente vontade de cortar-lhe o pescoço com uma navalha do Compadre. Seu padrinho, entretanto, aconselha-o e procura acalmar-lhe os ciúmes. O rapaz, muito desajeitado, consegue se declarar a Luisinha, após idas e vindas bastante cômicas, tremores e dúvidas, risos nervosos e um extremo desgaste. 2ª parte do livro Memórias de um Sargento de Milícias
Manuel Antonio de Almeida
Do Stockler Vestibulares*
· Capítulo 1
Leonardo Pataca, pai de Leonardinho, tem uma filha com Chiquinha e a Comadre responsabiliza-se em fazer o parto. A menina será tranquila e risonha, o avesso do irmão.
· Capítulo 2
A Comadre, como excelente fuxiqueira que é, leva ao conhecimento de D. Maria histórias que se contam sobre uma determinada ocorrência policial bastante comentada naquele tempo. Diz que ficou sabendo que José Manuel havia sido responsável pelo roubo de uma jovem e de uma bolsa com dinheiro. Facilitam-se os planos feitos por ela, o Compadre e o afilhado, tendo em vista que José Manuel se desvaloriza demais perante Dona Maria, que é uma mulher honesta e não suporta falta de caráter.
· Capítulo 3
José Manuel não desiste de Luisinha, apesar dos pesares. Deseja saber quem o intrigou com D. Maria.
· Capítulo 4
O Mestre de Rezas é cego e tem fama de ser um bom arranjador de casamentos. Ajuda José Manuel a se aproximar de Luisinha e procura descobrir quem falara mal do rapaz para D. Maria.
· Capítulo 5
Com a morte do padrinho, Leonardinho torna-se seu único herdeiro. Leonardo Pataca sabe disso, por intermédio da Comadre, e prontifica-se a tomar conta do filho, por puro interesse. O rapaz não consegue esquecer o pontapé que o pai, um dia, lhe dera. Não o agrada viver com um homem que vira tão poucas vezes. Sem opção, porém, acaba indo morar com o pai, Chiquinha e a irmãzinha.
· Capítulo 6
Apesar de ter herdado "um bom par de mil cruzados", Leonardinho acaba escurraçado da casa do pai, que o persegue com um espadim em punho, em mais um dia de brigas entre o moço e Chiquinha, a mulher do pai. Tudo acontece porque Leonardinho não vê Luisinha na casa de D. Maria, quando vai até lá; e, por esse motivo, irrita-se.
· Capítulo 7
Leonardinho conhece Vidinha, mulata que gosta de tocar viola e cantar suas modinhas, quando reencontra um ex-sacristão seu amigo, que o chama para fazer companhia a ele e ao bando de amigos que o segue naquela ocasião. Agrada-o ouvir Vidinha, com seus dentes brancos e os lábios umedecidos, cantar entre eles. Tomás da Sé leva-o para a casa na qual também vive Vidinha - e Leonardinho ali permanece, ligando-se à moça.
· Capítulo 8
As viúvas e seus filhos vivem na mesma casa. Leonardinho passa a conviver com a família. Vidinha é uma das três moças que lá moram. Além delas, existem três rapazes. Os moços são funcionários da estrada de ferro. A idade dos jovens todos está por volta dos vinte anos.
· Capítulo 9
José Manuel procura desfazer a má impressão que as intrigas haviam deixado em D. Maria a respeito dele. A madrinha procura o afilhado, sem conseguir encontrá-lo em lugar algum. Quando vai até a casa de D. Maria, leva uma reprimenda por tudo o que dissera a respeito de José Manuel, já que o pretendente de Luisinha conseguira livrar-se das acusações, auxiliado pelo Mestre de Rezas. A Comadre pede desculpas a D. Maria, já que não tem meios de ajudar Leonardinho naquele momento.
· Capítulo 10
Vidinha é o pomo da discórdia em sua casa, pois desperta o interesse do primo e também o de Leonardinho. Acontece uma briga e o rapaz deseja partir. As viúvas e Vidinha estão a favor dele. É convencido a permanecer com a família. A Comadre consegue achá-lo logo após a briga.
· Capítulo 11
A Comadre e as viúvas conversam. Leonardinho fica. Quando está em um piquenique, divertindo-se, acaba prisioneiro do Major Vidigal, por vadiagem.
· Capítulo 12
José Manuel ganha uma das demandas para D. Maria e, desta forma, consegue o "sim" da velha senhora ao seu pedido de casamento. Luisinha está bastante acabrunhada com o desaparecimento de Leonardinho, que não mais a procurara. Sem qualquer entusiasmo, aceita casar-se. O noivo vive a fazer os cálculos de quanto irá lucrar com o enlace. Casam-se os noivos e é feita uma grande festa.
· Capítulo 13
O Major Vidigal acaba desmoralizado, pois Leonardinho serve-se de uma agitação que ocorria na rua por onde passava aprisionado e foge. Volta para a casa da mulata Vidinha. Como jamais nenhum safado lhe escapara e por não estar acostumado com falta de respeito, Vidigal irrita-se como nunca e procura-o incansavelmente, em companhia dos granadeiros.
· Capítulo 14
Encontrar o fujão é uma questão de honra para o Major. Quer se vingar, pois não aceita ter sido alvo de chacotas. A Comadre, por sua vez, implora a Vidigal pelo afilhado, sem saber que ele já não está mais na prisão. Chega a chorar, ficando de joelhos, mas riem de sua atitude.
· Capítulo 15
Sabendo que o afilhado está em liberdade e desejando salvá-lo da ira do Major Vidigal, a Comadre vai até a casa ds viúvas, passa uma descompostura em Leonardinho e exige que ele comece a trabalhar. Consegue-lhe um emprego na despensa ou ucharia real, local em que estão depositados mantimentos. Para Vidigal, essa é uma notícia ruim, pois seu perseguido deixa de ser um vadio, não havendo mais motivo para prendê-lo. Leonardinho, porém, não toma jeito. Rouba provisões da ucharia, levando-as para Vidinha. Envolve-se com a mulher de um dos empregados do Paço Real - o toma-largura -, visitando-lhe a mulher, na ausência deste, pois a moça é bela e desperta-lhe o interesse. O toma-largura acaba encontrando o maroto tomando um caldo com sua mulher e, desconfiado, persegue-o. Leonardinho acaba na rua, sem emprego.
· Capítulo 16
Vidinha, que já andava abandonada pelo moço, acaba sabendo do que acontecera, pois as notícias correm de boca em boca. Movida pelo ciúme e pela raiva, toma satisfações com a mulher do toma-largura e aproveita para fazer desfeita para o pobre coitado. Leonardinho, que seguira a jovem até a ucharia, termina em poder de Vidigal.
· Capítulo 17
O toma-largura e a mulher não reagem ante os desacatos de Vidinha. O homem, ao contrário, interessa-se por ela e procura saber onde mora, depois que ela se vai. Quer conquistá-la, ter uma aventura e vingar-se daquele que o ultrajara.
· Capítulo 18
Ninguém consegue encontrar Leonardinho, que está devidamente oculto por Vidigal. Procuram-no, mas é em vão. Nem na Casa da Guarda pode ser encontrado. A família de Vidinha chega à conclusão de que ele não deseja que o encontrem. Tirada essa conclusão, todos passam a detestá-lo. A Comadre é outra que perde seu tempo inutilmente, pois não consegue achar o afilhado. Somente quando o Major Vidigal surge em uma reunião festiva, em que o toma-largura se excede após beber demais, em companhia dos familiares de Vidinha, é que o desaparecimento de Leonardinho se esclarece. Em realidade, Vidigal fizera-o granadeiro e seu auxiliar, a fim de aproveitar-lhe a sabedoria em malandragem. Como o toma-largura ficasse rondando a casa de Vidinha, a família dela terminou por convidá-lo para participar de uma "patuscada em Cajueiros", que foi exatamente onde o granadeiro Leonardo deu-lhe ordem de prisão.
· Capítulo 19
Leonardinho, granadeiro do Regimento Novo por ordem de Vidigal, sentara praça assim que saíra da prisão. O Major vê que não se enganara com relação ao moço, pois este se mostra competente em suas funções. No entanto, continua a fazer suas peraltices, o que não lhe permite cumprir completamente com as funções que lhe haviam sido atribuídas.
· Capítulo 20
Em casa de Leonardo Pataca acontece uma comemoração. Teotônio - jogador, tocador e cantor - está presente, entoando suas melodias. Entretanto, ele irrita o Major Vidigal, ao lhe imitar os trejeitos na presença de todos, despertando-lhes o riso. Vidigal inconforma-se com a brincadeira e dá ordens a Leonardinho, para que aprisione o outro. O granadeiro segue até a casa do pai, para cumprir as ordens recebidas. É acolhido com simpatia e gosta de Teotônio, o que o leva a revelar-lhe a missão que lhe haviam destinado. Ele e Teotônio, então, resolvem tapear o Major Vidigal e, para tanto, traçam um plano adequado.
· Capítulo 21
Um amigo desmascara Leonardinho diante de Vidigal, ao cumprimentá-lo pela façanha que tramara com Teotônio. O Major percebe-se enganado e mais uma vez prende o maroto. A madrinha consegue libertá-lo, ao descobrir uma antiga namorada do Major, por meio de D. Maria. José Manuel revela seu verdadeiro caráter, quando chega ao fim a lua de mel.
· Capítulo 22
Auxiliadas por Maria Regalada, a Comadre e a tia de Luisinha tentam libertar o moço. Regalada e a Comadre procuram obter um relaxamento de prisão para ele. O Major não quer ceder, porém a ex-namorada segreda-lhe, ao ouvido, algo que o faz mudar de ideia, soltar o moço e ainda ajudá-lo no que é possível.
· Capítulo 23
Concluem-se os fatos iniciados no capítulo anterior.
· Capítulo 24
O sargento Leonardo e Luisinha reencontram-se durante o velório de José Manuel, que falecera devido a um ataque do coração, causado por uma demanda que D. Maria havia movido contra ele. Ao rever a moça, Leonardo admira-a e é correspondido nisto.
· Capítulo 25
O namoro de ambos é retomado, assim que termina o luto da jovem pelo falecido. Como o granadeiro não pode se casar, por ser um sargento de linha, o casal recorre ao Major, pedindo sua intervenção. Vidigal vive com Maria Regalada, que cumprira o que lhe prometera, para que libertasse Leonardinho anteriormente. É ela, mais uma vez, quem interfere e convence o Major a passar Leonardo de granadeiro a Sargento de Milícias, a fim de que possa se casar com Luisinha. De posse da herança que o padrinho lhe deixara e que o pai, Leonardo Pataca, acabara por devolver-lhe, o moço desposa Luisinha finalmente. Fecha-se o romance, noticiando-se a morte de D. Maria e a de Leonardo Pataca, além de vários acontecimentos tristes, que o narrador diz preferir poupar o leitor de conhecer.
Memórias de um Sargento de
Milícias
Manuel A. de Almeida
Resumo
A obra conta as aventuras de Leonardo ou
Leonardinho, filho ilegítimo dos portugueses Leonardo Pataca e Maria da
Hortaliça. Como os pais não desejassem criá-lo, Leonardo fica por conta de seu
padrinho (um barbeiro) e de sua madrinha (uma parteira), após a separação dos
seus progenitores.
Sempre metido em travessuras, desde cedo Leonardo mostra-se um grande malandro. Já moço, apaixona-se por Luisinha, mas põe o romance a perder quando se envolve com a mulata Vidinha. A primeira decide, então, casar-se com outro. Tempos depois, Leonardo é preso pelo Major Vidigal, enfrenta diversos problemas, mas acaba sargento de milícias. Quando da viuvez de Luisinha, reaproxima-se da moça. Os dois casam-se e Leonardo é reabilitado. Leia resumo por capítulos:
O
romance de Manuel Antônio de Almeida, escrito no período do romantismo, retrata
a vida do Rio de Janeiro no início do século XIX e desenvolve pela primeira vez
na literatura nacional a figura do malandro.
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"O Cortiço" –
Resumo da obra de Aluísio de Azevedo
Tendo
como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses naturalistas,
que explicam o comportamento dos personagens com base na influência do meio, da
raça e do momento histórico.
Resumo
O livro narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem descanso.
Em oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o rompimento provisório de relações entre os dois.
Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu oponente. Um fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o título de barão, João Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social reconhecida, freqüentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja, participar ativamente da vida burguesa.
No cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de como o romance procura demonstrar a má influência do meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que muda todos os seus hábitos.
A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de barão e passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as conquistas do rival, João Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora ostenta ares aristocráticos.
O cortiço todo também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transformar na Vila João Romão.
O dono do cortiço aproxima-se da família de Miranda e pede a mão da filha do comerciante em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado por Bertoleza, que, percebendo as manobras de Romão para se livrar dela, exige usufruir os bens acumulados a seu lado.
Para se ver livre da amante, que atrapalha seus planos de ascensão social, Romão a denuncia a seus donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a ser capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o casamento de Romão.
Lista de personagens
Os personagens da obra são psicologicamente superficiais, ou seja, há a primazia de tipos sociais. Os principais são:
João Romão: taverneiro português, dono da pedreira e do cortiço. Representa o capitalista explorador.
Bertoleza: quitandeira, escrava cafuza que mora com João Romão, para quem ela trabalha como uma máquina.
Miranda: comerciante português. Principal opositor de João Romão. Mora num sobrado aburguesado, ao lado do cortiço.
Jerônimo: português “cavouqueiro”, trabalhador da pedreira de João Romão, representa a disciplina do trabalho.
Rita Baiana: mulata sensual e provocante que promove os pagodes no cortiço. Representa a mulher brasileira.
Piedade: portuguesa que é casada com Jerônimo. Representa a mulher europeia.
Capoeira Firmo: mulato e companheiro que se envolve com Rita Baiana.
Arraia-Miúda: representada por lavadeiras, caixeiros, trabalhadores da pedreira e pelo policial Alexandre.
Sobre Aluísio de Azevedo
Aluísio de Azevedo nasceu em São Luís, Maranhão, em 14 de abril de 1857. Após concluir seus estudos na terra natal, transfere-se em 1876 para o Rio de Janeiro, onde prossegue seus estudos na Academia Imperial de Belas-Artes. Começa, então, a trabalhar como caricaturista para jornais.
Com o falecimento do pai em 1879, Aluísio de Azevedo retorna ao Maranhão para ajudar a sustentar a família, época em que dá início à carreira literária movido por dificuldades financeiras. Assim, publica em 1880 seu primeiro livro, Uma lágrima de mulher. Com a questão abolicionista ganhando cada vez mais espaço no final do século XIX, publica em 1881 o romance "O mulato", obra que inaugurou o Naturalismo no Brasil e que escandalizou a sociedade pelo modo cru com que trata a questão racial. Devido ao sucesso que a obra obteve na corte, Aluízio volta à capital imperial e passa a exercer o ofício de escritor, publicando diversos romances, contos e peças de teatro.
Em 1910 instala-se em Buenos Aires trabalhando como cônsul e vem a falecer três anos depois nessa mesma cidade em 21 de janeiro de 1913.
Suas principais obras são: "O mulato" (1881), "Casa de pensão" (1884) e "O cortiço" (1890).
Resumo
O livro narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem descanso.
Em oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o rompimento provisório de relações entre os dois.
Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu oponente. Um fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o título de barão, João Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social reconhecida, freqüentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja, participar ativamente da vida burguesa.
No cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de como o romance procura demonstrar a má influência do meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que muda todos os seus hábitos.
A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de barão e passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as conquistas do rival, João Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora ostenta ares aristocráticos.
O cortiço todo também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transformar na Vila João Romão.
O dono do cortiço aproxima-se da família de Miranda e pede a mão da filha do comerciante em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado por Bertoleza, que, percebendo as manobras de Romão para se livrar dela, exige usufruir os bens acumulados a seu lado.
Para se ver livre da amante, que atrapalha seus planos de ascensão social, Romão a denuncia a seus donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a ser capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o casamento de Romão.
Lista de personagens
Os personagens da obra são psicologicamente superficiais, ou seja, há a primazia de tipos sociais. Os principais são:
João Romão: taverneiro português, dono da pedreira e do cortiço. Representa o capitalista explorador.
Bertoleza: quitandeira, escrava cafuza que mora com João Romão, para quem ela trabalha como uma máquina.
Miranda: comerciante português. Principal opositor de João Romão. Mora num sobrado aburguesado, ao lado do cortiço.
Jerônimo: português “cavouqueiro”, trabalhador da pedreira de João Romão, representa a disciplina do trabalho.
Rita Baiana: mulata sensual e provocante que promove os pagodes no cortiço. Representa a mulher brasileira.
Piedade: portuguesa que é casada com Jerônimo. Representa a mulher europeia.
Capoeira Firmo: mulato e companheiro que se envolve com Rita Baiana.
Arraia-Miúda: representada por lavadeiras, caixeiros, trabalhadores da pedreira e pelo policial Alexandre.
Sobre Aluísio de Azevedo
Aluísio de Azevedo nasceu em São Luís, Maranhão, em 14 de abril de 1857. Após concluir seus estudos na terra natal, transfere-se em 1876 para o Rio de Janeiro, onde prossegue seus estudos na Academia Imperial de Belas-Artes. Começa, então, a trabalhar como caricaturista para jornais.
Com o falecimento do pai em 1879, Aluísio de Azevedo retorna ao Maranhão para ajudar a sustentar a família, época em que dá início à carreira literária movido por dificuldades financeiras. Assim, publica em 1880 seu primeiro livro, Uma lágrima de mulher. Com a questão abolicionista ganhando cada vez mais espaço no final do século XIX, publica em 1881 o romance "O mulato", obra que inaugurou o Naturalismo no Brasil e que escandalizou a sociedade pelo modo cru com que trata a questão racial. Devido ao sucesso que a obra obteve na corte, Aluízio volta à capital imperial e passa a exercer o ofício de escritor, publicando diversos romances, contos e peças de teatro.
Em 1910 instala-se em Buenos Aires trabalhando como cônsul e vem a falecer três anos depois nessa mesma cidade em 21 de janeiro de 1913.
Suas principais obras são: "O mulato" (1881), "Casa de pensão" (1884) e "O cortiço" (1890).
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Tendo
como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses naturalistas,
que explicam o comportamento dos personagens com base na influência do meio, da
raça e do momento histórico.
Uma alegoria do Brasil do século XIX
Ao ser lançado, em 1890, "O Cortiço" teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro.
O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época. Mas não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício em "O Cortiço" estavam muito presentes no país.
Essa obra de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance "L’Assommoir" do escritor francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico na representação da realidade. A intenção do método naturalista era fazer uma crítica contundente e coerente de uma realidade corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela mistura de raças. Por isso, os romances naturalistas são constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos de várias etnias. Esses espaços se tornam personagens do romance.
É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios personagens que ali vivem. Em um trecho do romance o narrador compara o cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce e se desenvolve, aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral de quem habita seu interior.
Mais do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que "O Cortiço" não é somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil.
O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da obra literária, como o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à degradação.
A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação humana. Mas, para além disso, o livro apresenta outras questões pertinentes para pensar o Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade social.
Narrador
A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico.
O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente tendenciosa.
Tempo
Em "O Cortiço", o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão.
Espaço
São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João Romão.
O segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família. O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados no cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano funciona como elemento corruptor do homem local.
Comentário do professor
O cortiço é considerado o melhor representante do movimento naturalista brasileiro, afirma o professor Marcílio Mendes do Colégio Anglo. As principais características do Naturalismo seriam a animalização das personagens e, consequentemente, a ação baseada em instintos naturais, tais como os instintos sexuais e os de sobrevivência. Assim, seria importante o aluno saber reconhecer como estas características estão presentes dentro da obra, afirma o professor.
Em "O cortiço" aparecem basicamente duas linhas de conduta: uma que trata das questões sociais e outra das questões individuais e sentimentais. No caso das questões sociais, temos como maior representante a personagem João Romão, que torna-se um grande comerciante passando por cima de tudo e todos. Assim, através de uma representação crua das relações sociais, que aqui são puramente movidas pelo interesse individual, têm-se uma crítica social. Já nas questões individuais/sentimentais, temos a personagem de Jerônimo, que casa com a Rita Baiana, mas não por amor. Ele se envolve com ela porque se sente atraído sexualmente por ela.
Segundo o professor Marcílio, outro ponto que pode ser destacado é o fato de o próprio cortiço acaba de se tornando, de certa forma, uma personagem do livro devido a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento o narrador diz que “os olhos do cortiço se abrem”, ao invés de dizer “as janelas do cortiço se abrem”. Essa característica tem bastante a ver com o fato de, para a corrente naturalista, o meio ter grande influência na ação das personagens. Outro exemplo disso na obra O cortiço é o próprio sol. Em certo momento, a esposa de Jerônimo culpa o sol por todas as desgraças que ocorreram em sua vida.
Assim, o aluno deve ficar atento à questões que giram em torno de episódios do romance e que cobrem, além do próprio enredo, o entendimento acerca das personagens e suas caracterizações, a influência do espaço na ação dessas personagens e também em como as características do naturalismo aparecem na obra.
Uma alegoria do Brasil do século XIX
Ao ser lançado, em 1890, "O Cortiço" teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro.
O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época. Mas não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício em "O Cortiço" estavam muito presentes no país.
Essa obra de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance "L’Assommoir" do escritor francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico na representação da realidade. A intenção do método naturalista era fazer uma crítica contundente e coerente de uma realidade corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela mistura de raças. Por isso, os romances naturalistas são constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos de várias etnias. Esses espaços se tornam personagens do romance.
É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios personagens que ali vivem. Em um trecho do romance o narrador compara o cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce e se desenvolve, aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral de quem habita seu interior.
Mais do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que "O Cortiço" não é somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil.
O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da obra literária, como o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à degradação.
A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação humana. Mas, para além disso, o livro apresenta outras questões pertinentes para pensar o Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade social.
Narrador
A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico.
O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente tendenciosa.
Tempo
Em "O Cortiço", o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão.
Espaço
São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João Romão.
O segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família. O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados no cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano funciona como elemento corruptor do homem local.
Comentário do professor
O cortiço é considerado o melhor representante do movimento naturalista brasileiro, afirma o professor Marcílio Mendes do Colégio Anglo. As principais características do Naturalismo seriam a animalização das personagens e, consequentemente, a ação baseada em instintos naturais, tais como os instintos sexuais e os de sobrevivência. Assim, seria importante o aluno saber reconhecer como estas características estão presentes dentro da obra, afirma o professor.
Em "O cortiço" aparecem basicamente duas linhas de conduta: uma que trata das questões sociais e outra das questões individuais e sentimentais. No caso das questões sociais, temos como maior representante a personagem João Romão, que torna-se um grande comerciante passando por cima de tudo e todos. Assim, através de uma representação crua das relações sociais, que aqui são puramente movidas pelo interesse individual, têm-se uma crítica social. Já nas questões individuais/sentimentais, temos a personagem de Jerônimo, que casa com a Rita Baiana, mas não por amor. Ele se envolve com ela porque se sente atraído sexualmente por ela.
Segundo o professor Marcílio, outro ponto que pode ser destacado é o fato de o próprio cortiço acaba de se tornando, de certa forma, uma personagem do livro devido a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento o narrador diz que “os olhos do cortiço se abrem”, ao invés de dizer “as janelas do cortiço se abrem”. Essa característica tem bastante a ver com o fato de, para a corrente naturalista, o meio ter grande influência na ação das personagens. Outro exemplo disso na obra O cortiço é o próprio sol. Em certo momento, a esposa de Jerônimo culpa o sol por todas as desgraças que ocorreram em sua vida.
Assim, o aluno deve ficar atento à questões que giram em torno de episódios do romance e que cobrem, além do próprio enredo, o entendimento acerca das personagens e suas caracterizações, a influência do espaço na ação dessas personagens e também em como as características do naturalismo aparecem na obra.
Vidas Secas: a animalização do ser humano e a humanização do animal
Filme: Vidas Secas (1963), dirigido por Nelson
Pereira dos Santos
Na década de 30, na 2ª fase do Modernismo
brasileiro, surge o romance regionalista nordestino, caracterizado como uma
literatura social, pois discute as realidades socioculturais de determinadas
localidades, sem perder o caráter ficcional universal. Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é um dos romances
inaugurais desse moderno estilo brasileiro regionalista.
Escrito em 1938, Vidas Secas é o
único livro de Graciliano Ramos escrito em 3ª pessoa e, sem dúvidas, o
mais voltado para o drama social que angustia sua região, o nordeste
brasileiro. O romance, em um curto espaço de tempo, narra o cotidiano de uma
família de retirantes que tenta fugir da seca do sertão nordestino.
No contexto de sofrimento e de injustiças são
apresentados os personagens. Todos revelados fisicamente derrotados pelo sol e
moralmente humilhados pelas desigualdades sociais. Devido à falta de
expectativa de vida, os sertanejos se submetem a uma rotina em busca de saída
da miséria. A família é composta pelo pai Fabiano, a mãe Sinhá Vitória, os
filhos mais velho e mais novo e a cachorra Baleia. Fabiano, ao consolidar-se
como vaqueiro de uma fazenda abandonada, desfruta de um período curto de
estabilidade, mais tarde acaba por se frustrar e ver seus sonhos se
acabando.
A família representa os tantos outros humanos que
têm sido reduzidos pela hostilidade da natureza e pela injustiça da sociedade.
A narrativa passa a limpo a luta de tantos outros sertanejos, não só contra a
força da natureza, mas também a luta contra a estrutura social instaurada a
partir do poder econômico e político.
Na obra, a animalização do ser humano
(zoomorfização) é notória, principalmente, no personagem Fabiano e a
humanização do animal (antropomorfização) na cachorra Baleia que, embora
sendo um animal, é como um membro da família e apresenta as sensações mais
humanas de toda a narrativa.
Tanto a animalização, quanto a humanização
são evidentes na obra em diversos aspectos: pela influência do espaço, do meio
social, das condições de vida, pelo tempo, sobretudo o tempo psicológico – que
marca as características humanas da cachorra Baleia –, e pela
linguagem dos sertanejos.
O sertão em Vidas Secas
O aspecto que mais contribui para a animalização de
Fabiano é o espaço: o sertão nordestino, que é como um personagem dentro da
obra. O sertão é descrito com precisão, a paisagem é seca e silenciosa. A
existência miserável dos sertanejos é consequência das condições em que eles
vivem, do determinismo do espaço. Os sertanejos são obrigados ao meio natural,
isto é, a seca. Fabiano, juntamente com a família, rasteja pelo sertão à
procura de sobrevivência, arrasta-se em busca da condição mínima de vida. Há
outro aspecto importante, o meio social em que se encontram os retirantes:
há falta de recursos básicos e há violência da exploração por parte
daqueles que têm poderes – como os personagens Dono das terras
e o Soldado amarelo.
A linguagem do romance é direta e seca, como
a natureza do sertão. A incapacidade linguística de comunicação dos retirantes
é representada no personagem Fabiano. Ele se comunica por meio de ruídos e
frases incoerentes, pois não consegue elaborar frases coesas e coerentes,
No romance, os personagens humanos são apresentados
de maneira bruta e áspera, vítimas da atmosfera caracterizada pela seca que
absorve a humanidade dos sertanejos, como se fossem camaleões que se adaptam ao
ambiente. A cachorra Baleia, embora sendo um animal, apresenta grandes
sensações humanas. Provê alegrias e tristezas, vida e morte. Cabe a ela o
momento mais dramático da narrativa. Já aos demais personagens, cabem a
sobrevivência na seca do sertão nordestino.
Fabiano, sobretudo, é o tempo todo
apresentado como um bicho, aliás, o próprio se julga como um, “Fabiano, você é
um homem, exclamou em voz alta.” e logo depois, como se tivesse medo de que
alguém tivesse ouvido, “ – Você é um bicho, Fabiano.” e em seguida reafirma “ –
Um bicho, Fabiano” (RAMOS, 1992, p. 18). Embora Fabiano tenha se tornado
um vaqueiro, isso não exclui a sua condição de animal, pois a posição é apenas
provisória e um tanto ilusória. Veja o trecho a seguir que evidencia que
Fabiano possui características e costumes como os dos animais:
Vivia longe dos homens, só se dava bem com
animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a
quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E
falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o
companheiro entendia. A pé, não se aguentava bem. Pendia para um lado, para o
outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes
utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos
brutos – exclamações, onomatopéias. Na verdade falava pouco. Admirava as
palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas,
em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas. (RAMOS, 1992, p.
20)
O sertanejo tinha grande dificuldade
para falar e argumentar. Balbuciava poucas coisas, palavras sem significação,
suas falas se assemelham aos grunhidos de animais. Pela falta de habilidade com
a fala, dispara, em vários momentos, apenas “Ah!” (grunhido). Seus
“barulhos” são reflexos claros de animalização. E devido ao fato de estar
sempre à sombra do pai, o filho mais velho herda a mesma inabilidade com a
fala. Em outro momento, Sinhá Vitória vendo-se sem perspectivas e chorando,
reclama da vida miserável que leva e se questiona sobre até que ponto é viável
aquela vida, aquela vida de bicho.
Cachorra Baleia, ilustração de Aldemir Martins
A Baleia, diferente de seus donos, apresenta-se em
um papel humano. No capítulo intitulado Baleia, onde é narrada a
sua morte, o narrador atribui várias características humanas à cachorra,
uma série de descrições que, geralmente, não são atribuídas aos animais.
Em primeiro momento o narrador declara que “a
cachorra espiou o dono desconfiada” (RAMOS, 1992, p. 87), como se ela estivesse
prevendo que seria sacrificada. Após levar o tiro, Baleia “andou como gente, em
dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo” (RAMOS, 1992,
p. 88). Um pouco antes de morrer, ela reflete sobre o que estava acontecendo e
suas últimas lembranças são apresentadas pelo narrador.
São atribuídos os processos mentais de afeição e de
desejo a Baleia. Ela aprova ações ao movimentar sua cauda, desaprova ações ao
se mostrar séria e não gosta de expansões violentas. Enfastiava-se
com os barulhos de Fabiano, às vezes sentia vontade de mordê-lo, às vezes
sentia vontade de demonstrar seu afeto pelos donos e vontade de
latir como um meio de expressar oposição sobre as ações deles. Também são atribuídos,
a ela, processos mentais de cognição e percepção , tais como:
“acreditava”, “admitia”, “achava”, “estranhou”, “não sabia”, “sentiu”,
“percebeu” e “franziu”.
Em toda a narrativa, Baleia é apresentada como um
membro importante da família, não é vista como animal, pelo contrário: “Ela era
como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se
diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo,
ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras”. (RAMOS, 1992, p. 85, 86)
Por fim, veja mais um trecho do momento da morte da
cachorra Baleia, no qual são atribuídas mais características humanas a ela:
Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um
desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava
nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia
apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras:
àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as
moitas afastadas. (RAMOS, 1992, p. 89)
A cachorra baleia, ao longo de todo o romance,
sonha, sente alegria, tristeza e dor. Como já dito antes, cabe a ela o momento
mais dramático da narrativa, ou seja, o momento de sua própria morte. Baleia
tem suas desconfianças e vontades. Mostra-se, inclusive, responsável pela caça
que alimentava os familiares, como se tivesse obrigação de sustentá-los durante
o período de miséria. Em contraponto, Fabiano não se dava bem com os homens,
tinha dificuldade de se comunicar, pouco demonstrava sentimentos e raciocínio,
um homem bruto e seco, assim como clima do nordeste. Ele e sua família se
ocupam do papel de sertanejos que fogem da seca nordestina brasileira, que
vivem como bichos, que lutam contra as forças da natureza em busca da
sobrevivência no sertão e que, ainda sim, sentem a miséria na pele.
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Minha Vida de Menina - Helena Morley
Autor: Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant.
Resumo
A obra Minha Vida de Menina, de Helena Morley, é formada por passagens do diário da própria autora durante sua adolescência, entre 1893 e 1895 - quando ela tinha 13 a 15 anos.
O livro foi publicado apenas em 1942, quando Alice Caldeira Brant já estava bem mais velha. Ela conta que o objetivo da obra é mostrar às jovens - inclusive suas netas - como a adolescência dos dias de hoje é diferente da simplicidade do cotidiano das garotas daquela época - final do século XIX.
Como Minha vida de Menina se trata de um registro em diário, sua linguagem é leve e de fácil leitura, pois tem como característica o tom coloquial desde os menores acontecimentos até os mais grandiosos.
Helena é uma menina muito divertida e espontânea, por isso algumas passagens do livro são cômicas. Outro característica importante da protagonista é seu lado questionador, sempre em busca de respostas pautadas por uma racionalidade.
A família de Helena é de origem inglesa. Desta forma, a adolescente convivia com alguns parentes que passavam adiante os costumes britânicos, como sua tia Madge. Por outro lado, seus pais tinham uma vida bem mais simples, o que provocava um choque de cultura.
A prof. Priscila, de Literatura, explica que o livro possui diversas polaridades, nos mostrando, por exemplo, os papéis dos homens e das mulheres dentro da sociedade da época. Ela conta também que existe a oposição entre protestantismo e catolicismo.
Helena, mesmo com a religiosidade da família, vivia questionando sua mãe e sua avó sobre a Igreja. Ela queria provas ou, pelo menos, entender o raciocínio lógicos de algumas imposições - o que conduzia a discussão para a questão “ciência versus religião”.
Apesar de parecer algo muito pessoal (referente apenas à vida de Helena), Minha vida de Menina apresenta alguns registros históricos importantíssimos daquele período - retratando fielmente a sociedade, numa reprodução de seu mundo e de seus valores.
Temas como a recém-instauração da República e abolição da escravatura estão presentes na obra. Helena critica, também, o coronelismo em Diamantina, cidade onde vivia.
Por fim, a prof. Pri chama a atenção para a modo como Helena interpreta a vida - ela acreditava que deveria aproveitar o lado bom da vida e viver o momento presente.
“Vemos em Minha Vida de Menina uma adolescente contando sobre seu dia a dia simples, mas feliz, nos aproximando, inclusive, de temas árcades como o bucolismo e o carpe diem”, finaliza a professora.
Narrador: em primeira pessoa
Cenário: cidade de Diamantina, em Minas Gerais.
Contexto: O livro narra um período tão importante da história brasileira, quando a Lei Áurea (1888) e a República (1889) haviam sido recém-instauradas. Através do cotidiano de Helena, podemos perceber a permanência do negro na condição de escravo mesmo após a abolição, o coronelismo, a crise econômica em que se encontravam os mineradores de Diamantina agora que a extração de diamantes estava escassa, dentre outras.
Atenção às questões histórico-sociais
O momento histórico mostra o
funcionamento da sociedade da época e retrata os preconceitos de raça e classe
no pós-abolição – o que abre a possibilidade de haver uma interdisciplinaridade
das questões com temas de história e sociologia.
Outro tema interessante é a questão das
desigualdades sociais. A Helena é uma menina pobre, mas seus avós e tios têm
muito dinheiro. Ela convive com negros e brancos, pobres e ricos, então tem uma
visão da sociedade brasileira bastante privilegiada.
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Claro Enigma
Claro
Enigma
RESUMO
Uma das
formas de compreender o conjunto dos 41 poemas que formam a coletânea de Claro
Enigma, de 1951, é comparar este livro com A Rosa do Povo,
livro publicado em 1945. Se na lírica dos anos 40 predominava a postura de
engajamento e compromisso social, agora o questionamento em torno desse
posicionamento ganha espaço na poesia drummondiana.
Assim, a
poesia abandona o desejo de buscar respostas e passa a focalizar as perguntas
que precisam ser feitas. Ao invés da comunhão anterior, vigora a certeza
melancólica da dissolução iminente. A esperança é substituída pelo desencanto.
As referências mais diretas ao mundo concreto, historicamente localizado, são
preteridas em nome de um universo metafísico, que pesquisa o ser humano em si,
independente de seu entorno.
A
relativa perda de certezas políticas representa um passo no sentido da
formulação de um novo projeto literário, capaz de se colocar de forma perplexa
diante das possibilidades que se apresentam. Além de tematizar exatamente a angústia
das incertezas quanto ao rumo a ser seguido.
Desse
ponto de vista, ganham especial significado os versos de “Cantiga de enganar”:
“O mundo não vale o mundo, / meu bem. / Eu plantei um pé-de-sono, / brotaram
vinte roseiras. / Se me cortei nelas todas / e se todas se tingiram / de um
vago sangue jorrado / ao capricho dos espinhos, / não foi culpa de ninguém”. É
sintomático que esses versos retomem a imagem da rosa – proeminente, já a
partir do título, em A Rosa do Povo – e mais ainda a maneira
como o fazem: os espinhos da rosa agora ferem o poeta. As certezas e as
esperanças anteriores são capazes de sangrar, isto é, podem levar à perda da
vida.
Em termos
formais, nota-se o retorno a formas clássicas. Na verdade, não era uma
tendência exclusiva de Drummond. A poesia de sua geração, que surgiu em 1930,
já se caracterizava pela retomada de formas clássicas, como a do soneto, por
exemplo, campo no qual seu contemporâneo Vinícius de Moraes ganhou merecido
destaque.
Além
disso, a chamada “geração de 45” foi formada por poetas de forte influência
clássica. Sem manifestar os vícios formalistas, o fato é que o poeta mineiro se
coloca muito distante tanto do coloquialismo um tanto ingênuo dos modernistas
da primeira hora, quanto da tendência panfletária, de comunicação fácil, de
alguns de seus poemas da década de 1940. O retorno ao arcaísmo formal inibe os
versos livres e o resgate de uma terminologia mais filosofante e classicizante
distancia sua expressão da marca coloquial.
Se o leitor quiser levar em conta
as coordenadas históricas, tão importantes em A Rosa do Povo, basta
recordar que, no final dos anos 1940 – período de composição dos poemas
de Claro Enigma – vivia-se a Guerra Fria e a ameaça da bomba
atômica. O mundo mergulhava em uma disputa ideológica envolvendo capitalismo e
comunismo que, para além das diferenças entre as duas ideologias, revelavam os
meandros dos regimes de força que as sustentavam. Para um poeta como Drummond,
que sempre lutou pela liberdade, a percepção dessa identidade entre regimes ideologicamente
tão distintos conduzia à perplexidade e ao pessimismo.
CONTEXTO
Sobre o
autor
Durante cerca de quarenta anos, Carlos Drummond de Andrade representou um sopro de originalidade na poesia brasileira. Da herança modernista manifesta na poesia dos anos 30, passando pela poesia de caráter social dos anos 40 e pela acentuação da tendência reflexiva na década de 50, até chegar em uma poesia de síntese, retomada e ainda de renovação nos anos 60, temos um conjunto de proposições que respondem de forma imediata às questões de seu tempo.
Durante cerca de quarenta anos, Carlos Drummond de Andrade representou um sopro de originalidade na poesia brasileira. Da herança modernista manifesta na poesia dos anos 30, passando pela poesia de caráter social dos anos 40 e pela acentuação da tendência reflexiva na década de 50, até chegar em uma poesia de síntese, retomada e ainda de renovação nos anos 60, temos um conjunto de proposições que respondem de forma imediata às questões de seu tempo.
Importância
do livro
Depois de um período de engajamento político mais explícito, Drummond passa por uma fase de decepção com os rumos do socialismo após a Segunda Guerra Mundial. O abandono da militância conduziu o poeta a uma introspecção mais acentuada. Claro Enigma é o melhor produto dessa vertente e apresenta um traço forte da poesia do autor: sua capacidade de verticalizar os temas de que trata, submetendo-os a uma visão profunda e transcendente.
Depois de um período de engajamento político mais explícito, Drummond passa por uma fase de decepção com os rumos do socialismo após a Segunda Guerra Mundial. O abandono da militância conduziu o poeta a uma introspecção mais acentuada. Claro Enigma é o melhor produto dessa vertente e apresenta um traço forte da poesia do autor: sua capacidade de verticalizar os temas de que trata, submetendo-os a uma visão profunda e transcendente.
Período histórico
Drummond sempre se colocou como o poeta da vida presente e como “gauche”, isto é, capaz de retratar o incômodo das situações diante das quais o indivíduo é colocado. Em livros como A Rosa do Povo, retratou a guerra européia e a ditadura varguista, evidenciando sua postura contrária a elas. Em livros como Claro Enigma, faz referência ao mundo imediatamente posterior à guerra e à ditadura, mostrando a mesma perplexidade e o mesmo inconformismo.
Drummond sempre se colocou como o poeta da vida presente e como “gauche”, isto é, capaz de retratar o incômodo das situações diante das quais o indivíduo é colocado. Em livros como A Rosa do Povo, retratou a guerra européia e a ditadura varguista, evidenciando sua postura contrária a elas. Em livros como Claro Enigma, faz referência ao mundo imediatamente posterior à guerra e à ditadura, mostrando a mesma perplexidade e o mesmo inconformismo.
ANÁLISE
Os 41
poemas de Claro Enigma são distribuídos em seis seções: I –
“Entre Lobo e Cão” (18 poemas); II – “Notícias amorosas” (7 poemas); III – “O
menino e os homens” (4 poemas); IV – “Selo de Minas” (4 poemas); V – “Os lábios
cerrados” (6 poemas); VI – “A máquina do mundo” (2 poemas).
Desse
conjunto, destacam-se os primeiros poemas, que indicam certos aspectos
importantes do livro como um todo. Assim, “Dissolução” (poema de abertura do
livro) traz versos significativos: “Esta rosa definitiva, / ainda que pobre”
faz clara referência ao livro de 1945. A “pobreza” dessa rosa vem da dissolução
das afirmações categóricas, das certezas absolutas. Resultado dessa
desconstrução é a fragmentação humana que, embora sempre presente na obra do
poeta, é acentuada consideravelmente através da afirmação da submissão (“aceito
a noite”), da imobilidade (“Braços cruzados”), da dúvida (“Um fim unânime
concentra-se / e pousa no ar. Hesitando”), do espalhamento (“Assim a paz, /
destroçada”) e do silêncio (“calamo-nos”).
Se este
primeiro poema apresenta os parâmetros, digamos, ideológicos do livro, o
segundo, “Remissão”, aponta os princípios formais que serão seguidos. Trata-se
de um soneto clássico: versos decassílabos e esquema de rimas retirado da
tradição camoniana (ABAB ABAB CDE CDE). Mas aqui também temos a reafirmação de
linhas temáticas que serão seguidas: os últimos versos do poema (“enquanto o
tempo, em suas formas breves / ou longas, que sutil interpretavas, / se evapora
no fundo de teu ser?”) sugerem um tempo voltado para dentro do poeta, isto é,
uma perspectiva interior, introspectiva.
Além
disso, nessa indagação que o poeta dirige a si mesmo, é possível entrever um
questionamento desencantado da atividade poética. Mas esse desencanto está
longe de significar uma proposta de abandono da poesia. Antes, é o elogio da
poesia em si, da realização poética enquanto tal, menos afeita à referência
exterior, ao tempo voltado para fora.
O quarto
poema da coletânea, “Legado”, confirma as marcas formais clássicas do livro,
trata-se de um soneto alexandrino (versos de doze sílabas). No entanto, o que
se expressa com essa forma clássica é algo bastante anticlássico: a descrença
na perenidade da poesia. Para o contexto moderno, isso significa colocar em
xeque a capacidade agressiva da palavra. O final é tão irônico quanto
melancólico: “De tudo quanto foi meu passo caprichoso / na vida, restará, pois
o resto se esfuma, / uma pedra que havia no meio do caminho”.
Outros poemas antológicos da obra
são: “Amar”, que trata da experiência amorosa quase compulsória, isto é,
independente do próprio alvo desse amor; “A um varão, que acaba de nascer”,
repleto de premonições pessimistas; “Os bens e o sangue”, que focaliza a
herança mineira da qual o poeta não consegue escapar; e “A máquina do mundo”,
resgate do tema tradicional, abordado de uma perspectiva moderna, segundo a
qual o indivíduo rejeita a possibilidade do conhecimento pleno do mundo.
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Sagarana
Sagarana
Sagarana - Guimarães
Rosa
Movimento: Modernismo - Geração de 45
RESUMO
Sagarana, publicado em 1946, reúne contos do
escritor Guimarães Rosa. Confira resumos dos contos do livro:
1. O burrinho pedrês. O fazendeiro Major Saulo
determina que seus homens levem uma grande quantidade de bois para
comercialização em uma cidade distante. Para cumprir a tarefa, convoca seus
vaqueiros mais experientes, montados em cavalos jovens e fortes. Acompanha a
condução o burrinho Sete-de-Ouros, velho e fraco. Depois de uma chuva
torrencial, um pequeno riacho, que foi facilmente superado na ida, torna-se rio
caudaloso no retorno dos vaqueiros à fazenda. O único animal a escapar da
correnteza é justamente o burrinho, que conta com sua experiência para poupar
suas forças e deixar-se levar pelas águas ao invés de tentar lutar contra elas,
como fizeram os outros.
2. A volta do marido pródigo (Traços biográficos de
Lalino Salãthiel). O mulato Lalino Salãthiel vive no interior de Minas mas
sonha com aventuras amorosas em terras cariocas. Junta algum dinheiro e parte,
deixando para trás a esposa Maria Rita. Depois de algum tempo, terminam o
dinheiro e a empolgação, e ele retorna. Encontra Maria Rita envolvida com o
espanhol Ramiro. Lalino se envolve então nas disputas políticas locais e, com a
vitória de seu candidato, consegue a expulsão dos estrangeiros. Alcança também
o perdão de Maria Rita.
3. Sarapalha. Os primos Ribeiro e Argemiro vivem
isolados, com seu cachorro Jiló, em Sarapalha, lugarejo do interior de Minas
Gerais. Sofrem com a malária, doença que lhes provoca febre e tremedeiras. Para
Ribeiro, a dor maior vem do fato de ter sido abandonado pela esposa Maria
Luísa, que fugiu com outro homem. Durante as intermináveis conversas que mantêm
para tentar distrair da doença, Argemiro confessa ter sentido igual amor pela
moça, embora sem jamais faltar com o respeito ao primo. Ribeiro, decepcionado
com o que considera uma traição, expulsa o parente de suas terras.
4. Duelo. Voltando de uma pescaria mal sucedida,
Turíbio Todo flagra sua mulher Dona Silivana com o ex-militar Cassiano Gomes.
Contém seu ímpeto e adia a vingança. No entanto, ao executá-la, acaba por
assassinar o irmão de Cassiano, fugindo em seguida. Segue-se uma grande
perseguição pelo interior de Minas, que dura até Turíbio se retirar para São
Paulo. Cassiano, sofrendo do coração, é obrigado a interromper sua busca no
lugarejo do Mosquito. Ali, torna-se amigo de Timpim Vinte-e-Um, homem simples
que recebe o auxílio financeiro de Cassiano para comprar remédio para sua
família. Em troca, Cassiano, pouco antes de morrer, pede a Timpim que vingue
seu irmão. Turíbio fica sabendo da morte de seu perseguidor e retorna a Minas.
No caminho para a casa de Silivana, encontra Timpim, que cumpre a promessa
feita a Cassiano.
5. Minha gente. O narrador é um inspetor escolar
que, de férias, visita a fazenda de seu Tio Emílio no interior de Minas. Lá,
reencontra a prima Maria Irma, namorada de infância, e tenta retomar a aventura
amorosa. A moça consegue fazer com que a atenção do primo seja atraída para a
amiga Armanda, noiva de Ramiro, rapaz pretendido por ela. O narrador,
aficionado do jogo de xadrez, se vê vítima de uma jogadora perspicaz nas
estratégias amorosas. Ela consegue fazer com que Armanda se interesse pelo
narrador, deixando Ramiro livre para ela. O final feliz é composto pelo duplo
casamento.
6. São Marcos. Izé, o narrador, faz pouco caso das
crendices populares, não perdendo a oportunidade de passar diante da casa de
certo João Mangolô, negro tido como feiticeiro, para zombar de seus feitos.
Durante um passeio, vê-se repentinamente cego. Seguindo certa lenda, reza a
oração de São Marcos, que tem fama de ser poderosa. Orientado pelo olfato, pela
audição e pelo tato, aproxima-se da casa do feiticeiro. Consegue avançar sobre
este e recupera a visão no momento em que o negro retira a venda dos olhos de
um boneco. Izé se despede de Mangolô e parte, agora um pouco mais crédulo.
7. Corpo fechado. No lugarejo da Laginha vive
Manuel Fulô, que tem duas paixões: sua noiva Das Dores e uma mulinha de
estimação, a Beija-Fulô, cobiçada por Antonico das Pedras, que tem fama de
feiticeiro. Targino, um valentão local, avista Das Dores e comunica a Manuel
Fulô o desejo de dormir com ela antes do casamento. Para impedir essa ofensa, Manuel
teria que enfrentar o valentão. O narrador, médico local e amigo de Manuel
Fulô, não encontra meio de ajudá-lo. O rapaz recorre a Antonico, que fecha seu
corpo com feitiço. No duelo com Targino, Manuel escapa por milagre dos tiros
que lhe são dirigidos e fere mortalmente o rival com uma pequena faca. Depois
desse feito, torna-se o novo valentão do lugar.
8. Conversa de bois. O menino Tiãozinho vive um
drama: seu pai, entrevado, nada pode fazer contra os amores que a esposa mantém
com Agenor Soronho, condutor de carros de boi. Quando o pai morre, Tiãozinho
ajuda a transportar o corpo a um cemitério próximo, com outras mercadorias.
Pelo caminho, Agenor prenuncia a vida que o menino teria dali por diante, agora
sob suas ordens, na condição de padrasto. A crueldade que Agenor demonstra para
com o menino, manifesta-se também no trato com os bois de carga. Estes se
comunicam entre si e articulam uma forma de matar o carreiro. Aproveitam-se de
um cochilo de Agenor e, sacudindo o carro, derrubam-no e passam com as rodas
sobre ele. Sem desconfiar de nada, Tiãozinho se desespera, enquanto os bois
lançam berros triunfais.
9. A hora e a vez de Augusto Matraga. Augusto
Esteves é um fazendeiro de comportamento violento. Gasta dinheiro com jogos e
prostitutas, maltrata a esposa Dionóra, despreza a filha e enfrenta seus
opositores com a ajuda dos capangas que o acompanham. A esposa foge com outro
homem, enquanto seus empregados o abandonam, reclamando o pagamento de salários
atrasados. Augusto vai tirar satisfações e acaba agredido por eles. Durante a
surra, atira-se de um barranco e é dado como morto. No entanto, é encontrado
por um casal de negros que cuida dele.
Durante a convalescença, Augusto reflete sobre sua
vida e se penitencia dos pecados cometidos. Recuperado, parte para uma pequena
propriedade que possui no Tombador, lugar distante, passando a servir o casal
de negros, trabalhando arduamente. Certo dia, aparece no lugar o cangaceiro
Joãozinho Bem-Bem, que simpatiza com Augusto e o convida a participar de seu bando.
Augusto recusa. Tempos depois, sente irresistível desejo de partir. Segue sem
rumo, até reencontrar o bando de cangaceiros no lugarejo do Rala-Coco. Quando
vê a ameaça de Joãozinho Bem-Bem de fazer mal a um homem velho e à sua família,
Augusto sente que chegou sua hora de concluir a remissão de seus pecados.
Enfrenta o bando e vence o líder, morrendo em seguida.
CONTEXTO
Sobre o
autor
Guimarães Rosa é considerado o maior escritor do
Brasil depois de Machado de Assis. De fato, o resgate da cultura popular e o
trabalho com a linguagem dão fundamento a essa opinião. O escritor inaugura,
com Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, a terceira fase do modernismo
brasileiro, marcada pela inventividade e pela tendência à produção de uma
literatura de caráter universal.
Importância
do Livro
Sagarana é o livro de estreia do autor. Realiza o
projeto dos modernistas de 1922, com o resgate da linguagem popular,
acrescentando a originalidade de sua estilização. Com isso, consegue revelar
aspectos profundos da alma do país, não no que esta poderia ter de exótico ou
pitoresco, mas no que possui de humano e universal.
Período Histórico
Em 1945, termina a ditadura de Getúlio Vargas no
Brasil. Inicia-se um processo de redemocratização, que duraria cerca de vinte anos.
Nesse período, a cultura conheceu uma extraordinária efervescência, da qual a
obra de Rosa é um excelente exemplo.
ANÁLISE
A produção escrita de Guimarães Rosa se caracteriza
por dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, pela tendência a conferir
tratamento universal a temas de ambientação regional, quase sempre ligados ao
interior de Minas Gerais. Em segundo lugar, pela linguagem inventiva elaborada
pelo escritor, e que se tornou sua marca registrada.
A marca regionalista é evidente em Sagarana: as
histórias se passam todas no interior de Minas Gerais. Além disso, há muito da
cultura mineira na transmissão oral das histórias, veiculadas por contadores de
causos, como ocorre entre os vaqueiros de “O burrinho pedrês” e os animais de
“Conversa de bois”. Isso sem contar os assuntos abordados, que atendem ao gosto
das histórias populares: violência, traição, mistério etc. Muitas vezes, a
cultura urbana e civilizada de alguns narradores em primeira pessoa (“Minha
gente”, “São Marcos” e “Corpo fechado”) é colocada em xeque, encurralada pela
sabedoria sertaneja, mais competente para lidar com os fatos inexplicáveis que
se sucedem nas tramas.
Mas sob cada narrativa existe a mensagem
transcendental, que alarga as fronteiras locais para alcançar uma dimensão
universal. Assim, o tema de “O burrinho pedrês” é a valorização da experiência;
em “A volta do marido pródigo”, temos o elogio da esperteza e do senso de
oportunidade; em “Sarapalha”, a temática da traição não perdoada; em “Duelo”, a
sugestão de que o destino do homem escapa de seu próprio controle.
Também a linguagem supera sua matriz regional, para
fazer-se universal na estilização da fala sertaneja. Esta constitui, de fato, o
ponto de partida: a oralidade e o ritmo aludem ao falar mineiro. Mas o estilo
vai além: agrega o vocabulário e o ritmo trêmulo da doença em “Sarapalha”;
aciona todos os sentidos nas sinestesias de “São Marcos”; e encontra mesmo
espaço para a reflexão metalinguística no duelo poético que constitui uma trama
paralela em “São Marcos”. O próprio título do livro exemplifica um dos
procedimentos linguísticos mais importantes da obra de Guimarães Rosa, o
neologismo: ele é formado pela junção da expressão nórdica Saga (= lenda), com
a terminação tupi rana (= à maneira de).
Esse título é bastante feliz, as histórias são
contadas “como se fossem lendas”, o que sugere que talvez não sejam. De fato,
as narrativas de Sagarana oscilam entre o real e o irreal. Há, inclusive, a
fábula de “Conversa de bois”, na qual os animais se comunicam. Tão surpreendentes
quanto essas circunstâncias são alguns dos heróis das narrativas, como o
personagem-título de “O burrinho pedrês”, os animais de “Conversa de bois” e o
anti-herói Lalino de “A volta do marido pródigo”.
Personagem inesquecível é Augusto Matraga, do
último conto do volume. Sua trajetória, da incapacidade de compreender recados
místicos até o pleno entendimento dos mistérios da existência, que o leva, no
momento da morte, a encarnar a justiça divina de forma inusitada, tornam o
personagem figura obrigatória de qualquer antologia da literatura brasileira.
____________________________________________________________
Mayombe
Pepetela
Romance angolano
O estudo da literatura africana de expressão
portuguesa já estava presente nas universidades brasileiras desde o começo da
década de 1980.
A inclusão do romance "Mayombe", do
escritor Pepetela, tem, portanto, o mérito de difundir essa literatura,
indiscutivelmente rica, também no ensino médio do país. Ao mesmo tempo, indica
a continuidade dos esforços de aproximação do Brasil com a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, por meio da cultura. É uma iniciativa louvável e
significativa.
Por outro lado, pode-se supor que a grande maioria
dos vestibulandos talvez nunca tenha ouvido falar em "Mayombe", nem
em seu autor, de modo que vale a pena apresentá-lo em linhas gerais.
Para começar, Pepetela é o pseudônimo do angolano
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nascido em 29 de outubro de 1941, na
cidade de Benguela, no litoral do país. Na década de 1960, começou a cursar
engenharia, mudou para letras, mas acabou se decidindo pela política e passou a
integrar o MPLA – Movimento Popular para a Libertação de Angola, um dos vários
movimentos que lutavam pela independência do país, então uma colônia de
Portugal.
Seria difícil resumir em um parágrafo o processo de
luta que se estendeu por cerca de 15 anos, entre os angolanos e portugueses,
até a independência obtida em 1975. Para complicar, depois disso, eclodiu uma
guerra civil entre as duas principais forças políticas no país, o já citado
MPLA e a Unita – União Nacional Para a Independência Total de Angola, que durou
até 2002. De qualquer modo, é importante ressaltar que é esse panorama de
conflito revolucionário e da história angolana que marcam a literatura de
Pepetela.
Por seu envolvimento político, o escritor teve de
viver no exílio e só após a independência retornou ao país, integrando o
governo do presidente Agostinho Neto, como vice-ministro da Educação. Nessa
época, por sinal, lançou boa parte de sua obra, como "Muana Puó"
(1978), "As aventuras de Ngunga" (1979) e "Mayombe" (1980).
Este último livro, agora incluído na lista da Fuvest, retrata a experiência do
autor na guerra revolucionária, mostrando o convívio de guerrilheiros de
diversas origens étnicas e sociais em que se divide a nação angolana.
Ana Mafalda Leite, professora de literatura
africana em português da Universidade de Lisboa, considera "Mayombe"
uma obra ao mesmo tempo crítica e heroica, que destaca a diversidade étnica
angolana e ilustra as divisões tribais presentes naquele país e o levariam à
guerra civil. Para a professora Leite, o romance é ainda o relato do conflito
que define a fundação da pátria. Mas é interessante acrescentar a esse respeito
a própria opinião do autor, para quem o texto seria uma simples reportagem
sobre a guerra, mas como o texto acabasse lhe parecendo muito frio, ele foi
escrevendo mais e mais, até transformá-lo num romance.
Em 1982, ao aposentar-se, Pepetela passou a se
dedicar somente à literatura e desenvolveu uma obra de caráter mais crítico e
desencantado com os desdobramentos da história angolana após a independência,
considerando a guerra civil e os altos níveis de corrupção nos órgãos
governamentais. Também enveredou pelo realismo-fantástico, no romance "O
desejo de Kianda" e ainda em "A glória de uma família", onde o
fantástico e a história de Angola se misturam.
Pelo conjunto da obra, Pepetela foi agraciado, em
1997, com o prêmio Camões, atribuído aos autores que notoriamente enriqueceram
o patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. A consagração, contudo,
não significou o ápice da carreira do escritor, seguido de um inevitável
declínio. Pelo contrário, Pepetela continua a escrever e a se renovar como
escritor, enveredando pelo gênero da sátira, com o livro policial "Jaime
Bunda", e até a ficção científica, com o romance "O quase fim do
mundo" (2008).
Em tempo, Mayombe, que dá título, ao romance que os
candidatos ao vestibular da Fuvest devem ler a partir de agora, é o nome de uma
região montanhosa da África, que se estende por vários países, entre os quais
Angola, na província de Cabinda. E "Pepetela" significa cílios ou
pestana, em uma das línguas africanas de Angola, sendo uma referência a um dos
sobrenomes do autor.
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Unicamp
Poesia:
Luís de Camões, Sonetos
Jorge de Lima, Poemas Negros
Ana Cristina Cesar, A teus pés
Contos:
Clarice
Lispector, Amor, do livro Laços de Família
Guimarães Rosa, A
hora e a vez de Augusto Matraga, do livro Sagarana
Machado de
Assis, O espelho
Teatro:
Dias Gomes, O
bem amado
Romance:
Camilo Castelo
Branco, Coração, cabeça e estômago
Érico
Veríssimo, Caminhos Cruzados
José Saramago, História do Cerco de Lisboa.
Diário:
Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo
Sermões:
Antonio Vieira
(1) Sermão de
Quarta-feira de Cinza – Ano de 1672;
(2) Sermão de
Quarta-feira de Cinza – Ano de 1673, aos 15 de fevereiro, dia da trasladação do
mesmo Santo;
(3) Sermão de
Quarta-feira de Cinza – Para a Capela Real, que se não pregou por enfermidade
do autor.
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Sonetos
- Amor é fogo que arde sem se verVerdes são os camposSe tanta pena tenho merecidaBusque Amor novas artes, novo engenhoEnquanto quis Fortuna que tivesseTomou-me vossa vista soberanaQuem pode livre ser, gentil SenhoraO fogo que na branda cera ardiaTanto de meu estado me acho incertoAlma minha gentil, que te partisteQuando de minhas mágoas a compridaEndechas a Bárbara escravaDescalça vai pera a fonteMudam-se os tempos, mudam-se as vontadesNo mundo quis o Tempo que se achasseQuando me quer enganarAmor, que o gesto humano na alma escreveQuem presumir, Senhora, de louvar-vosPosto me tem Fortuna em tal estadoAo desconcerto do MundoQue me quereis, perpétuas saudades?(20/2/95)Se as penas com que Amor tão mal me trata (6/3/95)Se me vem tanta glória só de olhar-te (22/5/95)Quem vê, Senhora, claro e manifesto (31/7/95)Julga-me a gente toda por perdido (14/2/96)Vencido está de amor (14/2/96)Senhora minha, se de pura inveja (28/10/96)O cisne, quando sente ser chegada (28/4/97)Se pena por amar-vos se merece (13/10/97)Sempre a Razão vencida foi de Amor (11/5/98)Coitado! que em um tempo choro e rio (22/6/98)Lembranças, que lembrais meu bem passado (21/9/98)Nunca em amor danou o atrevimento (1/3/99)Erros meus, má fortuna, amor ardente (22/3/99)Qual tem a borboleta por costume (12/4/99)O tempo acaba o ano, o mês e a hora (7/6/99)
Quem diz que Amor é falso ou enganoso (10/1/00)De quantas graças tinha, a Natureza (17/1/00)Ditoso seja aquele que somente (20/3/00)Onde acharei lugar tão apartado (4/12/00)
Camões foi um poeta de atuação em múltiplas
frentes: escreveu peças de teatro, a monumental obra épica Os Lusíadas e
mais de duas centenas de sonetos que, embora não lhe tenham trazido a merecida
fama em vida, foram suficientes para torná-lo inesquecível muito além
dela.
O soneto é uma forma poética fixa, isto é, com
regras definidas e que devem necessariamente ser seguidas por seus praticantes.
Surgido na Itália, o modelo mais consagrado possui catorze versos, distribuídos
em duas estrofes de quatro versos (quadras) seguidas de duas de três versos
(tercetos). Era a forma praticada pelo italiano Francesco Petrarca (1304-1374),
a grande inspiração de Camões, tanto pelo conteúdo lírico (elogio da amada e
amor após a morte) quanto pela forma (duas quadras e dois tercetos). No soneto
clássico, os versos eram decassílabos, a grande novidade formal do Classicismo
renascentista (ou Quinhentismo).
O eu lírico camoniano consegue ser, ao mesmo tempo,
intimista (o suficiente para relatar ou referir um conjunto de experiências
amorosas particulares) e universal (ao conferir a essas experiências um caráter
de reflexão de valor mais amplo).
A base filosófica de sua poesia é o neoplatonismo,
uma retomada das ideias de Platão (428-348 a.C.). O filósofo grego concebia
dois planos distintos da experiência humana: o mundo sensível e o mundo
inteligível (ou ideal), atingido após um processo de ascensão espiritual. O
primeiro representaria uma prisão do homem à matéria, enquanto o segundo seria
o mundo da perfeição. Assim, para Platão, a experiência sentimental ideal seria
a do amor espiritualizado – o amor platônico.
Em Camões, a temática do amor espiritual
convive com a do amor carnal. Essa coexistência, por vezes tensa, permite
perceber o que há de barroco na poesia camoniana. Mas os conflitos encontram
sua resolução nos limites da razão clássica.
CONTEXTO
Sobre o
autor
Luís de Camões é o maior poeta da língua portuguesa. Pode-se usar o verbo no presente não apenas porque ninguém o superou até hoje, mas também porque sua obra repercute ainda no nosso tempo. Partindo da arte clássica renascentista, Camões conseguiu transcender escolas artísticas que, através da história, trataram-no com respeito e admiração.
Luís de Camões é o maior poeta da língua portuguesa. Pode-se usar o verbo no presente não apenas porque ninguém o superou até hoje, mas também porque sua obra repercute ainda no nosso tempo. Partindo da arte clássica renascentista, Camões conseguiu transcender escolas artísticas que, através da história, trataram-no com respeito e admiração.
Importância
do livro
O renascimento do século XVI representou a retomada dos princípios da arte clássica greco-romana. Mas as transformações que se operavam no mundo naquele momento iam bem além do cenário cultural. Invenções revolucionárias, o desenvolvimento da vida urbana e as grandes navegações portuguesas mudaram a imagem que a Europa fazia de si mesma.
O renascimento do século XVI representou a retomada dos princípios da arte clássica greco-romana. Mas as transformações que se operavam no mundo naquele momento iam bem além do cenário cultural. Invenções revolucionárias, o desenvolvimento da vida urbana e as grandes navegações portuguesas mudaram a imagem que a Europa fazia de si mesma.
Período histórico
Camões viveu o período no qual os sinais da decadência portuguesa foram se mostrando de maneira cada vez mais inequívoca. Pode-se entender a obra épica Os Lusíadas como um esforço de dar expressão formal à tentativa de resgatar a glória perdida. Mas talvez tenha sido nos sonetos que o poeta conseguiu eternizar o nome de sua verdadeira pátria – não o território, mas a língua portuguesa.
Camões viveu o período no qual os sinais da decadência portuguesa foram se mostrando de maneira cada vez mais inequívoca. Pode-se entender a obra épica Os Lusíadas como um esforço de dar expressão formal à tentativa de resgatar a glória perdida. Mas talvez tenha sido nos sonetos que o poeta conseguiu eternizar o nome de sua verdadeira pátria – não o território, mas a língua portuguesa.
ANÁLISE
São muitos os indícios da herança clássica em
Camões. A própria adoção da forma soneto, herdada do humanismo
italiano do século XIV, é uma comprovação da marca renascentista. Para ela
contribui ainda a constante recorrência a referências mitológicas, próprias, na
época, de uma cultura erudita de matriz clássica.
POESIA
DE CAMÕES
O principal assunto da lírica
camoniana em medida nova é o amor, concebido tanto em sua dimensão racional
(busca de definição, tentativa de compreensão de seus efeitos), quanto em sua
manifestação mais pungente (sofrimento, desilusão, morte da amada). Mas o poeta
tratou também dos desencontros entre o indivíduo e o mundo, de que resulta uma
poesia marcada pelo pessimismo e pela angústia existencial
No entanto, a visão otimista da condição humana,
como resultado do elogio da racionalidade, não se encontra tão explícita no
poeta. Ao contrário, sua obra parece expor o conflito entre expectativas e
realizações humanas. Dele advém o difundido maneirismo de Camões. De fato, se
entendermos a expressão de contradições como um recurso maneirista (que
posteriormente desaguaria no barroco), o poeta se enquadra no modelo, como pode
ser percebido em sonetos como “Tanto de meu estado de acho incerto” ou “Amor é
fogo que arde sem se ver” (convém lembrar que, por convenção, poemas sem
título, como são todos os sonetos de Camões, são designados pelo primeiro
verso). Há muito de maneirista também no reconhecimento das limitações da razão
no esforço de definição do amor – tema de “Busque amor novas artes, novo
engenho”.
De molde clássico é ainda o elogio da beleza da
amada, associada a um ideal de perfeição que, embora de matriz platônica, tem
muito de físico e carnal, como se vê em “Quando da bela vista e doce riso” ou
“Alegres campos, verdes arvoredos”. A celebração do amor aparece em “Quem vê,
Senhora, claro e manifesto” e em “O tempo acaba o ano, o mês e a hora”, por
exemplo. Nessa celebração, o amor físico e o espiritual se misturam, permitindo
a convivência de conceitos platônicos com concepções aristotélicas (de
Aristóteles, discípulo de Platão que contestava a proeminência que este
conferia ao mundo ideal), como se pode notar em “Transforma-se o amador na
cousa amada”.
Mas em Camões o amor não é só celebração – racional, espiritual ou física. Há espaço para a expressão do sofrimento amoroso e da desilusão sentimental (“Se tanta pena tenho merecida”, “O céu, a terra, o vento sossegado”, por exemplo). O auge dessa linha é a temática da morte da amada – não apenas pelo grau de dor envolvido, mas, acima de tudo, pela qualidade dos versos. A tradição literária consagrou a lenda de Dinamene, nome mitológico que ele atribui a uma suposta amante morta em um naufrágio na China. Para ela, Camões compôs seus mais belos poemas de amor: “Cara minha inimiga, em cuja mão”, “Quando de minhas mágoas a cumprida” e “Ah! minha Dinamene! Assi deixaste”, entre muitos outros.
Mas em Camões o amor não é só celebração – racional, espiritual ou física. Há espaço para a expressão do sofrimento amoroso e da desilusão sentimental (“Se tanta pena tenho merecida”, “O céu, a terra, o vento sossegado”, por exemplo). O auge dessa linha é a temática da morte da amada – não apenas pelo grau de dor envolvido, mas, acima de tudo, pela qualidade dos versos. A tradição literária consagrou a lenda de Dinamene, nome mitológico que ele atribui a uma suposta amante morta em um naufrágio na China. Para ela, Camões compôs seus mais belos poemas de amor: “Cara minha inimiga, em cuja mão”, “Quando de minhas mágoas a cumprida” e “Ah! minha Dinamene! Assi deixaste”, entre muitos outros.
Por fim, convém acrescentar que
Camões não foi apenas o poeta do amor. A dor de existir também mereceu dele
obras de qualidade superior, como ocorre com os sonetos “Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades”, “Correm turvas as águas desse rio” e “Erros meus, má
Fortuna, amor ardente”.
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Poemas Negros
Jorge de Lima
Poemas negros, de
1947, reúne dezesseis poemas do autor Jorge de Lima, já editados em livros
anteriores e 23 novos poemas, estes apresentando, através de deuses africanos,
uma espécie de história do negro no Brasil.
Nesses poemas
encontramos a segunda fase ortodoxamente modernista de Jorge de Lima.
O tema da obra é a
realidade africana do Brasil. De fato, bem cedo Jorge de Lima manifestou a
consciência da discriminação racial. Ele ultrapassa o registro pitoresco e folclórico,
assimila o cerne da cultura afro-nordestina e demonstra que a barreira racial é
nada perante a universalidade da poesia.
Jorge de Lima propõe
também a reflexão sobre a importância do sangue africano na composição de um
novo “ser”. Em Poemas Negros, o questionamento é refrisado nos
versos de "Foi mudando, mudando", em que a voz poética deixa sem
resposta a pergunta "Foi negro, foi índio ou foi cristão?", enquanto
nomeia os pilares étnicos do povo brasileiro. Esse livro encerra com o poema
“Olá, Negro” que fala sobre a influência do escravo na cultura brasileira,
desenhando, em traços nítidos, a crueldade do tratamento que é imposto ao
subalterno.
O poema inicia,
referindo-se à sucessividade das gerações, cujos indivíduos empenham-se em
rejeitar o sangue e a cor que lhes matiza a pele. E profeticamente sentencia:
[eles] não apagarão de sua alma, a tua alma, negro! A
repetição do substantivo abstrato, com a variação do possessivo de terceira e
segunda pessoa, ressalta uma das marcas da sensibilidade brasileira. No
escravo, a componente afetiva inclui a apetência artística que se realiza na
música dos blues, jazzes, songs, lundus, e se extravasa na alegria. Para sublinhar
a diversidade dos universos, o poeta avisa: a raça que te enforca,
enforca-se de tédio, negro. Os dados objetivos, contudo, enumeram o lucro
material (algodão e açúcar) e a trajetória de sofrimento do negro (“tronco,
colar de ferro, canga de todos os senhores do mundo”) para calcular, na
hipérbole, o tempo necessário para humanizar o homem:
Quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
Para que os canaviais possam dar mais doçura à alma Humana?
Para que os canaviais possam dar mais doçura à alma Humana?
No jogo da interrogação retórica, as figuras de estilo
unem o fluir (longo!) do tempo, a exploração econômica e o amadurecimento do
indivíduo. De temporalidade imponderável, o cabelo do negro reage à mudança da
cor, assim como o homem tarda, pela cobiça, a adquirir uma alma. O condimento
culinário é baliza de (des)humanidade. A metáfora, em ironia, alude a um
capítulo da história da maldade no Brasil.
Tangida pela emoção, a consciência poética vê:
Apanhavas com vontade de cantar
choravas com vontade de sorrir
com vontade de fazer mandinga para o branco ficar bom,
para o chicote doer menos,
para o dia acabar e o negro dormir!
choravas com vontade de sorrir
com vontade de fazer mandinga para o branco ficar bom,
para o chicote doer menos,
para o dia acabar e o negro dormir!
A resistência ao
sofrimento transmite-se na alternância antitética de
sofrer-cantar-chorar-sorrir, sugerindo uma disposição que se quer refazer. A
prática mágico-ritual (mandinga) é evocada como recurso de atenuação da dor,
que, afinal, o homem atinge com a noite e com o sono. No entanto, o tempo
recompõe-se, e a esperança desponta com o novo amanhecer:
Olá, Negro! O dia está nascendo!
O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?
Olá, Negro!
Olá, Negro!
O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?
Olá, Negro!
Olá, Negro!
Concluindo o poema,
expressa-se a vocação do negro para a alegria. A imagem poética mescla cosmos e
sentimento, ao confundir luz e som, no brilho da manhã e no contentamento do
escravo. Então, fecha-se o livro Poemas Negros, no ressoar da voz
de confiança na humanidade.
Poema escolhido
MARIA DIAMBA
Para não apanhar mais
Falou que sabia fazer bolos
Virou cozinha.
Foi outras coisas para que tinha jeito.
não falou mais.
Viram que sabia fazer tudo,
Até mulecas para a Casa-Grande.
Falou que sabia fazer bolos
Virou cozinha.
Foi outras coisas para que tinha jeito.
não falou mais.
Viram que sabia fazer tudo,
Até mulecas para a Casa-Grande.
Depois falou só,
Só diante da ventania
Que ainda vem do Sudão;
Falou que queria fugir
Dos senhores e das judiarias deste mundo
Para o sumidouro.
Só diante da ventania
Que ainda vem do Sudão;
Falou que queria fugir
Dos senhores e das judiarias deste mundo
Para o sumidouro.
Esta seleção permite um olhar panorâmico sobre a diversificada obra de Jorge de Lima, poeta que percorreu de forma única os caminhos da poesia brasileira — do início parnasiano, passando pelo verso livre, as experimentações com o soneto, até a épica-lírica de Invenção de Orfeu. O ritmo e a capacidade de evocar imagens são marcantes na obra do poeta. Mas não se pode esquecer seu profundo senso de responsabilidade humana: o olhar atento para a realidade do povo, do negro e da desigualdade social. Outro aspecto importante é a densidade mística, resultante de uma forte religiosidade. Por trás da complexidade de seus versos, revela-se uma poesia absolutamente singular e sedutora.
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A Teus Pés
Ana Cristina Cesar
A Teus Pés, de 1982, é o último
livro de Ana Cristina César, e único publicado por editora, reune os três livros
anteriores de edição independente: Luvas de Pelica, Correspondência
Completa e Cenas de Abril. Retrata com dor e elegância as
vivências urbanas e as impressões cotidianas de uma poeta ao mesmo tempo densa
e delicada.
Nesta obra, além de utilizar formas que nos remetem
a escritas “íntimas”, a autora ousa mais, fragmenta mais, como se fizesse uma
verdadeira colagem cifrada de frases vindas de diversos lugares.
O que se tem no fim são textos aparentemente
desconexos, cheios de saltos, de versos que parecem não se encaixar. E muita
coisa ainda com cara de diário, de correspondência. Resultado: a impressão de
que há segredos escondidos nas entrelinhas, símbolos a serem decifrados,
silêncios que suspendem o entendimento e aguçam a curiosidade: o que ela está querendo
dizer? Entretanto, parece não ser bem essa a pergunta a ser feita. Segundo Ana
Cristina, não se trata de fazer uma literatura de entrelinhas. Esses vazios,
saltos, silêncios, espaços em branco seriam o que ela define como o “não-dito”
do texto literário, algo que difere bastante do que usualmente se entende por
“entrelinha”. Acompanhemos Ana Cristina:
“A
entrelinha quer dizer: tem aqui escrito uma coisa, tem aqui escrito outra, e o
autor está insinuando uma terceira. Não tem insinuação nenhuma, não. (...) Eu
acho que, no meu texto e acho que em poesia, em geral, não existe entrelinha.
(...) Existe a linha mesmo, o verso mesmo. O que é uma entrelinha? Você está buscando
o quê? O que não está ali?”.(16)
Deve-se destacar que, na “poesia marginal” dos anos
70, a autora atualiza dois gêneros usualmente considerados literatura menor: a
carta e o diário. Resgata, dessa forma, não só o coloquialismo da linguagem,
mas também a profunda interação entre o sujeito lírico e seu leitor implícito.
Tal preocupação pode ser observada nesta obra.
A forma de dizer desdizendo, que é, em última
instância, uma forma de manipular a linguagem, nos chama a atenção nos textos
de Ana Cristina, como neste que abre A teus pés:
Trilha
sonora ao fundo (...)
Agora silêncio
(...)
Eu tenho uma idéia.
Eu não tenho a menor idéia.
(...)
Muito sentimental.
Agora pouco sentimental.
(...)
Esta é a minha vida.
Atravessa a ponte. (CESAR, 1998a, p.35)
Misto de poesia e prosa, um primeiro olhar sobre os
textos presentes nesta obra já indica ao leitor que este não está diante de
produções que pretendam se ater aos procedimentos da lírica tradicional. Pelo
contrário, os textos objetivam redimensionar a produção poética por meio da
desconstrução e da reconstrução do cotidiano – transfigurado em literatura – e
das formas tradicionais da poesia – pulverizadas em textos que recriam gêneros
literários, como já citado.
Na poesia de Ana Cristina César, a tentativa de
apreender a fragmentação do sujeito lírico por meio de instantâneos do
cotidiano se apresenta como mecanismo de criação de uma grande proximidade
entre autora e leitor, uma vez que tenta inserir este último em uma atmosfera
de intimidade, a partir da apresentação de acontecimentos que supostamente têm
relação direta com a vida daquela que escreve. A exposição do eu não se dá
apenas em termos de emoções, sentimentos ou aspirações pessoais, mas constitui
procedimento para a escrita literária, em poemas nos quais, reflexivamente,
problematiza-se a própria inserção de aspectos pessoais na poesia.
Inserida em seu contexto, a autora também se vê às
voltas com a problemática do texto confessional, da autobiografia inscrita nos
limites entre a confissão e a literatura”, e faz dos acontecimentos cotidianos
e corriqueiros sua principal matéria poética, seu principal ponto de partida
para a compreensão da existência e da própria poesia.
Outro poema da obra:
Casablanca
Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardías...
Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...
As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano.
Créditos: Annita Costa Malufe,
doutoranda da IEL-Unicamp | Anélia Montechiari Pietrani, Periódicos
UFSC | Luciana Borges, Professora Assistente de Literatura
Brasileira na UFG, doutoranda em Estudos Literários pelo Programa de Pós-Graduação
em Letras e Linguística da UFG.
Agora silêncio
(...)
Eu tenho uma idéia.
Eu não tenho a menor idéia.
(...)
Muito sentimental.
Agora pouco sentimental.
(...)
Esta é a minha vida.
Atravessa a ponte. (CESAR, 1998a, p.35)
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardías...
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano.
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Coração, Cabeça e Estômago
Camilo Castelo Branco
Resumo Coração, Cabeça e Estômago de Camilo Castelo Branco – parte I
Primeiramente trata-se de uma obra metalinguística, pois o livro conta a história da origem do próprio livro melhor explicando a obra é uma herança deixada para um amigo, seu conteúdo é a biografia do autor que após morrer endividado explica o porquê de tê-lo escrito: dar explicação para o saber viver vive dito pelos franceses, aproveitar a vida de modo a conquistar dela o máximo.
Acreditava o autor que tal obra seria de grande valia para a humanidade e isto alçaria a obra à lista dos best–sellers e sanaria as suas dívidas póstumas. É um típico romance balzaquiano, pois a procura do conforto material, o ascender social e o gozo são caricaturas dos personagens, muitas vezes satirizados nas situações que enfrentam.
Coração, Cabeça e Estômago I: CORAÇÃO Guiado pelo coração Silvestre, nosso personagem – biográfico ama sete mulheres (sete é o símbolo dos pecados capitais que levam o homem ao degredo da alma). Sete mulheres. “O meu noviciado de amor passei-o em Lisboa. Amei as primeiras sete mulheres que vi e que me viram.” 1° mulher – Leontina, vizinha de Silvestre, órfã, criada por um ourives, meigo do par dela, analfabeta, de olhos bonitos. Por ela também era apaixonado outro vizinho, um algibebe (vendedor de roupas), que, tomado pela paixão descuidava de seus negócios. Ele odiava Silvestre e lhe escreveu uma carta ‘anônima’ – Leontina reconheceu a letra ameaçando-o de morte. A moça teve raiva do algibebe por isso.
Cientificado por outra carta anônima do algibebe de que Leontína namorava Silvestre, o ourives levou-a para sua propriedade rural e casou-se cora ela, apesar da objeção das filhas dele. Silvestre ignorou o rumo tomado pela amada. Contudo o leitor fica sabendo que esta após algumas desventuras acaba por enriquecer-se após o óbito do marido, vem posteriormente casar-se com o algibebe que vem a ganhar um prêmio lotérico tornaram-se gordos e ricos. 2° mulher – Silvestre nunca soube o nome dessa outra vizinha. Ela só aparecia na janela, assim mesmo ficavam visíveis apenas os olhos, entre as tábuas das persianas.
Coração, Cabeça e Estômago I: Silvestre lhe remeteu uma carta enorme declarando-se. Como resposta, recebeu um bilhete, incentivando-o a escrevei mais. Julgando que ela o ironizara, Silvestre chegou a adoecer de urna febre que o reteve onze dias na cama. (Caro leitor observe o exagero romântico desta cena! Aos nossos olhos contemporâneos chega a parecer hilária tal postura). Nunca mais Silvestre viu a vizinha. Soube depois que a moça era amante de um conde, que, por ser casado, não vivia com ela. Tornara-se alcoólatra. Na época em que Silvestre a conheceu tinha um filho de cinco anos. Nota do autor – O nome dessa mulher era Margarida. Ela e o filho vieram a morrer de febre amarela, abandonados por todos, inclusive o conde. 3° mulher — Catarina era uma quarentona, conheceu Silvestre quando do seu frequentar da casa onde este vivia hospedado.
Declarou-se a ele, dizendo-se possuidora de boa renda financeira e proprietária de dez burrinhos. Na noite em que o apaixonado rapaz teve um encontro com Catarina na casa dela, apareceu repentinamente o irmão dela de espada em punho. Silvestre fugiu amedrontado. Catarina exigiu que Silvestre se casasse com ela, pois estava desonrada perante a opinião publica. O ex-namorado se negou a casar. Cinco anos depois, Silvestre soube que Catarina e o irmão se tornaram herdeiros de um tio rico. (Observe que o nosso personagem ao obedecer o coração não alcança nunca o sucesso financeiro. 4° mulher – Silvestre conheceu Clotilde numa festa. O cavalheiro que os apresentou informou ao rapaz que ela e as companheiras eram muito fúteis e vaidosas.
Coração, Cabeça e Estômago I: isso ocorrera em um balneário. Retornando a Lisboa, Silvestre, apaixonado por Clotilde procurou-a no endereço, que lhe dera, mas não a localizou. Num encontro casual com o mesmo cavalheiro da festa, Silvestre lhe contou sua paixão por Clotilde. Surpreso, soube que o tal cavalheiro era o marido dela! Ele ofereceu ao apaixonado uma das amigas da mulher. Constrangido, Silvestre rasgou os poemas que havia escrito para Clotilde e nunca mais a procurou. 5° mulher – Esta agora é a D. Martinha, proprietária do hotel onde vivia Silvestre.
Sempre o paquerava, mas este demorou a aperceber-se disso. D. Martinha era uma viúva de 35 anos. Então, passaram a se relacionar. Veremos que este caso não vai dar certo. 6° mulher – D. Martinha contratou corno criada uma mulata brasileira, chamada Tupinoyoyo (observe o estereótipo da brasileira aos olhos do europeu, mulata de nome indígena).
Silvestre ardeu de paixão pela criada. Os dois se encontravam às escondidas da ciumenta. Até que foi flagrado e expulso do hotel. Alguns anos depois, avistou a mulata brasileira, num teatro, com um português importante. (Dizia-se que ela era rica e educada em Londres) 7° mulher – Mademoiselle Elise de la Sallete viera da França, envergonhada porque tinha sido abandonada por um duque, seu marido. Em Portugal, mudou de nome e se tornou modista. Cibrão Taveira, amigo de Silvestre, marcou um encontro com ela; mas, como não sabia falar francês, pediu que Silvestre fosse com ele. Enquanto este se afastou com a francesa, aquele ficou com a amiga dela e soube a história da outra.
Comovido, chegou a escrever alguns capítulos sobre a vida nobre francesa. Certo dia, estando Silvestre no Passeio Público, cumprimentou de longe as duas francesas que passavam. Ouviu de um grupo de homens, que conversavam perto, a verdadeira história da “santa” francesa: era um na mulher vulgar que tinha tido caso com vários homens e agora, com falso nome, inventou a versão de nobre envergonhada.
Coração, Cabeça e Estômago I: Silvestre voltou a encontrá-la na casa de um amigo, acompanhada de um tenor italiano. Aproximou-se dela, chamou o companheiro de duque e acrescentou que, afinal, tomara vergonha e viera buscar a esposa. O tenor, sem entender nada, mas considerando-se insultado, ameaçou bater em Silvestre, que se retirou sem reagir.
A mulher que o mundo respeita – Depois de tantas desilusões amorosas, Silvestre resolveu ser cético Escreveu poemas que tematizavam a desilusão e mudou sua aparência: cabelos desgrenhados, calva artificial (raspava os cabelos no alto da testa), pintura para empalidecer o rosto e criar olheiras, roupas pretas e cavalo preto… Corria a história de que ele queria morrer por ter amado uma neta de reis, cujo pai, contrariado, a fez ingressar no convento.
Certo dia, aconteceu que Silvestre, indo para Benfica, viu numa varanda urra moça bonita, por quem logo se apaixonou. No dia seguinte, conseguiu um breve diálogo com o criado da moça, o qual lhe contou que o nome dela era Paula, uma fidalga morgada (= herdeira única de bens de família). Mandou-lhe carta pelo criado, sem obter resposta. Num baile, Silvestre viu Paula entrar de braço com um rapaz. Quando conseguiu oportunidade de falar com ela a sós, Paula pediu que não a procurasse mais, pois já estava comprometida.
Sem desanimar, inspirado no poeta Castilho, segundo o qual é preciso ofertar presentes às ninfas (“Festões, grinaldas, passarinhos, frutos”), Silvestre mandou para Paula uma cesta com pêssegos, flores e um periquito, acompanhada de uma carta. Paula respondeu, também por carta, agradecendo.
Coração, Cabeça e Estômago I: movido de paixão, Silvestre resolveu passar de madrugada diante da casa de Paula e viu um homem encapotado parado lá. Escondido, o romântico apaixonado viu uma mulher – supostamente Paula – abrir a janela e ficar conversando, aos sussurros, com o desconhecido. Armado, Silvestre tornou a postar-se, alta noite, diante do palacete da moça, disposto a matar os dois amantes. Saindo de casa, aproximou-se dele uma mulher chamando-o de Caetano, sem se reconhecerem na escuridão.
Convidou-o a entrar. Silvestre sussurrou não se chamar Caetano e se retirou. Assim que a mulher, assustada, voltou para o interior da casa, deixando o portão aberto, ele entrou no jardim e ficou escondido. Cal a pouco, chegou Caetano e ela o atendeu da janela, sem permitir que entrasse, com medo do outro.
Foi então que Silvestre reconheceu Eugênia, a empregada. Julgando-se digno de ser amaldiçoado por ter pensado mal de Paula. Retornando a Lisboa, Silvestre soube que Paula tinha sido abandonada pelo noivo, um duque, que a surpreendera traindo-o com um amigo dele.
Tornou a vê-la num teatro, acompanhada de Piedade, conhecida por seu sarcasmo, No dia seguinte, Paula enviou-lhe uns versos, compostos por Piedade, nos quais era chamado de periquito. Ele ficou muito magoado. Para esquecer sua mágoa, Silvestre resolveu passar uma temporada em Santarém Acabou hospedando-se na casa de um antigo colega, administrador do Conselho.
Coração, Cabeça e Estômago I: quando, por ordem do governador, seu anfitrião foi localizar um casal de fugitivos, Silvestre o acompanhou. Para surpresa dele, a moça procurada era Paula; saiu da sala sem olhar para a desgraçada’. O amante acabou na cadeia e ela foi levada para a propriedade rural do pai. Paula veio a casar-se com um primo que lhe fora destinado desde a infância.
O filho do casal nasceu forte, apesar de prematuro (aliás, no dizer do avó de Paula, era comum na sua família, as mulheres terem filhos que nasciam antes de 6 meses de casadas, ou seja a safadeza era traço genético, que ironia!). Paula tornou-se senhora respeitada na alta sociedade, alvo da atenção e companheira de honrados anciãos de Lisboa.
Observe que Paula é a mulher que o mundo respeita uma verdadeira cortesã ou dita vagabunda nos dias atuais, por ser rica todos os pecados são lhe perdoados, fosse pobre seria escorraçada socialmente. Agora vejamos quem é a mulher que o mundo despreza. A mulher que o mundo despreza – Silvestre fazia parte daquele grupo de românticos que gostavam de se embebedar para abafar as mágoas. Bêbado, ele fazia discursos sobre a filosofia da história ou sobre a história da filosofia.
Coração, Cabeça e Estômago I: certa noite, ao sair alcoolizado de um bar, encontrou no cais urna mulher. Levou-a para casa o pediu-lhe que contasse sua história. Marcolina relatou que, órfã de pai desde o dia em que nasceu, viveu a infância com as cinco irmãs mais novas, filhas de sua mãe com o padrasto, que acabou preso e degredado para o Brasil. (Para o Brasil só vem coisa boa, né!??) Quando Marcolina completou 14 anos, a mãe que esmolava e se prostituía – entregou-a para um barão cinquentenário.
Este tornou-a sua amante e a educou como pessoa da sociedade, não lhe permitindo contato com a família dela. tantas desilusões amorosas, Silvestre resolveu ser céptico Escreveu poemas que tematizavam a desilusão e mudou sua aparência: cabelos desgrenhados, calva artificial (raspava os cabelos no alto da testa), pintura para empalidecer o rosto e criar olheiras, roupas pretas e cavalo preto…
Corria a história de que ele queria morrer por ter amado uma neta de reis, cujo pai, contrariado, a fez ingressar no convento. Certo dia, aconteceu que Silvestre, indo para Benfica, viu numa varanda urra moça bonita, por quem logo se apaixonou. No dia seguinte, conseguiu um breve diálogo com o criado da moça, o qual lhe contou que o nome dela era Paula, uma fidalga morgada (= herdeira única de bens de família).
Coração, Cabeça e Estômago I: mandou-lhe carta pelo criado, sem obter resposta. Num baile, Silvestre viu Paula entrar de braço com um rapaz. Quando conseguiu oportunidade de falar com ela a sós, Paula pediu que não a procurasse mais, pois já estava comprometida. Sem desanimar, inspirado no poeta Castilho, segundo o qual é preciso ofertar presentes às ninfas (“Festões, grinaldas, passarinhos, frutos”), Silvestre mandou para Paula uma cesta com pêssegos, flores e um periquito, acompanhada de uma carta. Paula respondeu, também por carta, agradecendo. Movido de paixão, Silvestre resolveu passar de madrugada diante da casa de Paula e viu um homem encapotado parado lá.
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Clarice Lispector, Amor, do livro Laços de Família.
Resumo
Incluï-se entre os
melhores livros de contos de nossa Literatura. São 13 contos centrados,
tematicamente, no processo de aprisionamento dos indivíduos através dos
"laços de família", de sua prisão doméstica, de seu cotidiano.
As formas de vida
convencionais e estereotipadas não se repetindo de geração para geração ,
submetendo-se as consciências e as vontades.A dissecação da classe média
carioca resulta numa visão, desencantada e descrente dos liames familiares, dos
"laços" de convenção e interesse que minam a precária união familiar.
Os três mais conhecidos
são Amor, Uma galinha, e Feliz Aniversário.
"Devaneio e
embriaguez duma rapariga'
Uma típica senhora
portuguesa casada, certo dia ao encontrar-se defronte ao espelho a mirar-se,
estando só em casa ( os filhos e o marido estavam fora ) começou a devanear.
Tanto que ficou o tempo inteiro no quarto sob a cama_ o que fez o marido pensar
que esta estava doente.
Tão logo os filhos
voltam ao lar, a vida retoma o seu norte e nossa personagem volta ao seu ritmo
cotidiano, apenas desmanchado por um encontro de negócios entre seu marido e
respectivo chefe.
Embriaga-se e desenvolve
muita prosa com o chefe do marido_ em verdade enciumava a beleza da vestimenta
de outra mulher no recinto e isto feriu-lhe a vaidade.
Ao chegar em casa
repensa sua própria sensualidade e o desejo que podia despertar nos homens.
"Amor"
Ana - uma mulher casada,
pacata e mãe de dois filhos, tinha uma vida doméstica muito calma, donde
cuidava dos seus com o esmero e amor típicos de uma pessoa fraterna e sensível.
Aliás Ana, em hebraico significa "pessoa benéfica, piedosa".
Certo dia ao ir às
compras encontrou-se com um cego que muito a impressionou; com a freada brusca
do bonde onde se encontrava_ os ovos que carregava acabaram quebrando-se - pronto! A sua paz tão duramente conquistada desapareceu.
Transtornada acabou por
descer no Jardim Botânico que por sua beleza fê-la temer o próprio inferno.
Aqui podemos fazer um paralelo entre a beleza que salta aos olhos e o cego que
está privado disto_ este último vive o próprio inferno em terra. Esta então é a
explicação de tanto que impressionara a personagem.
Ao voltar para casa
sentia que alguma coisa havia mudado dentro de si, abraçou o filho tão
fortemente que o assustou e foi ajudar o marido quando este derrubou o café.
Carinhosamente este pegou-lhe a mão e levou-a para o quarto para dormirem.
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A hora e vez de Augusto
Matraga (Sagarana)
Guimarães
Rosa
Resumo
Narrado em terceira
pessoa, o conto enfatiza duas constantes da vida do sertão: a violência e o
misticismo, na interminável luta do bem e do mal.
Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira, conhecido como Nhô Augusto e também como Augusto Matraga, é o maior valentão do lugar, briga com todo mundo e maltrata por pura perversidade. Debochado, tira as mulheres e namoradas dos outros. Não se preocupa com sua mulher, Dona Dionóra, nem com sua filha, Mimita, nem com sua fazenda, que começa a se arruinar.
Já em descrédito econômico e político, sobrevém o castigo: sua mulher, Dionóra, foge com Ovídio Moura levando a filha, e seus bate-paus (capangas), mal pagos, põem-se a serviço do seu pior inimigo; o Major Consilva Quim Recadeiro foi quem levou a notícia da defecção dos capangas. Nhô Augusto resolve ter com eles, antes de matar Dionóra e Ovídio, mas no caminho é atacado, numa tocaia, por seus inimigos, que o espancam e o marcam com ferro de gado em brasa. Quase inconsciente, no momento em que vai ser assassinado, reúne as últimas forças e se atira no despenhadeiro do rancho do Barranco. Tomam-no por morto. É, contudo, encontrado por um casal de negros velhos: a mãe Quitéria e o pai Serapião, que tratam de Nhô Augusto, que sara, mas fica com sequelas deformantes.
Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira, conhecido como Nhô Augusto e também como Augusto Matraga, é o maior valentão do lugar, briga com todo mundo e maltrata por pura perversidade. Debochado, tira as mulheres e namoradas dos outros. Não se preocupa com sua mulher, Dona Dionóra, nem com sua filha, Mimita, nem com sua fazenda, que começa a se arruinar.
Já em descrédito econômico e político, sobrevém o castigo: sua mulher, Dionóra, foge com Ovídio Moura levando a filha, e seus bate-paus (capangas), mal pagos, põem-se a serviço do seu pior inimigo; o Major Consilva Quim Recadeiro foi quem levou a notícia da defecção dos capangas. Nhô Augusto resolve ter com eles, antes de matar Dionóra e Ovídio, mas no caminho é atacado, numa tocaia, por seus inimigos, que o espancam e o marcam com ferro de gado em brasa. Quase inconsciente, no momento em que vai ser assassinado, reúne as últimas forças e se atira no despenhadeiro do rancho do Barranco. Tomam-no por morto. É, contudo, encontrado por um casal de negros velhos: a mãe Quitéria e o pai Serapião, que tratam de Nhô Augusto, que sara, mas fica com sequelas deformantes.
Começa então uma nova vida, no povoado do Tombador, para onde levou os pretos,
seus protetores. Regenera-se e, esperando obter o céu, leva uma vida de
trabalho duro, penitência e reza. Arrependido de suas maldades, ajuda a todos,
e reza com devoção: quer ir para o céu, "nem que seja a porrete", e
sonha com um "Deus valentão".
Passados seis anos, tem notícias de sua ex-família através de Tião da Thereza: a esposa, Dona Dionóra, vive feliz com Ovídio, e vai casar-se com ele; Mimita, sua filha, foi enganada por um cometa (espécie de caixeiro viajante) e caiu na perdição. Matraga sente saudades, sofre, mas se resigna.
Certo dia, aparece o Joãozinho Bem-Bem, jagunço de larga fama, acompanhado de seus capangas: Flosino Capeta, Tim Tatu-tá-te-vendo, Zeferino, Juruminho e Epifânio. Matraga hospeda-os com grande dedicação e admira as armas e o bando de Joãozinho Bem-Bem. Mas se recusa a acompanhar o bando, mesmo convidado pelo chefe e não aceita qualquer ajuda dos jagunços. Quer mesmo ir para o céu.
Totalmente recuperado, Matraga despede-se dos velhinhos e parte, sem destino, num jumento. Chega ao Arraial do Rala-Coco, onde reencontra Joãozinho Bem-Bem e seu bando, prestes a executar uma cruel vingança contra a família de um assassino que fugira. Augusto Matraga desperta para a sua hora e vez: intervém em nome da justiça, opõe-se ao chefe do bando, liquida diversos capangas, tomado de verdadeiro furor. Bate-se em duelo singular com Joãozinho Bem-Bem. Ambos morrem - Joãozinho primeiro. Nessa hora, Augusto Matraga é identificado por seu antigos conhecidos.
Observe a importância do número três durante toda a narrativa: a personagem principal tem três nomes - Augusto Matraga, Augusto Esteves e Nhô Augusto; os lugares em que transcorrem as fases de sua vida também são três - Murici, onde vive inicialmente; o Tombador, onde faz penitência; o Rala-Coco, lugarejo próximo a Murici, onde encontra sua hora e vez. Além disso, ele também vive em trios: inicialmente, na praça, ele está com duas prostitutas; em casa, ele vive com a mulher e a filha; depois de ter sido surrado e marcado a ferro, vive com um casal de pretos; e, no final, aparece um último trio: ele, Joãozinho Bem-Bem e o velho a quem protege.
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“O Espelho” Machado de Assis
Jacobina é um homem de 45 anos e de origem humilde,
que conseguiu subir na vida por conta de uma nomeação a um posto militar. Certo
dia estava com mais quatro amigos em uma casa debatendo sobre a alma, o
universo e outros assuntos. Jacobina, porém, mantinha-se calado e parecia não
estar muito interessado no assunto. Quando um dos presentes exige que ele dê
sua opinião, Jacobina diz que irá contar um episódio de sua vida. Ele pretendia
defender sua teoria de que cada pessoa possui duas almas: uma exterior e outra
interior.
Aos 25 anos, Jacobina foi nomeado Alferes da Guarda
Nacional, o que lhe garantiu uma mudança significativa de status. Sua família
passou a elogiá-lo e a se orgulhar dele, e agora era o “Sr. Alferes”. Um dia
sua tia Marcolina o chama para ir até o sítio onde ela morava. Por conta do
status de seu sobrinho, ela lhe oferece um grande espelho, proveniente da
Família Real Portuguesa e melhor mobília da casa, e o coloca no quarto
destinado a Jacobina. A partir de então tudo mudou em sua vida. A percepção que
tinha de si mesmo passou a ser aquela que outros tinham dele, e a pessoa que
Jacobina era não mais existia.
Pouco tempo depois de chegar ao sítio, Marcolina
saiu de viagem. Aproveitando a ausência dela, os escravos fugiram e Jacobina
viu-se sozinho no sítio. Assim, passou os dias perdido nas sombras da solidão e
angustiado por ter perdido a sua “alma exterior”, fruto da imagem que os outros
faziam dele. Em certo momento ele decide olhar o espelho e percebe que a imagem
ali refletida estava corrompida e difusa, assim como a imagem que ele fazia de
si mesmo na ausência dos outros.
Não conseguindo enxergar a si mesmo com nitidez,
Jacobina resolve vestir sua farda e olhar-se no espelho. Dessa vez a imagem
refletida era nítida e com clareza de detalhes e contornos. Recuperando, assim,
a “alma exterior” que preenchia sua “alma interior”, Jacobina conseguiu evitar
a solidão nos dias que se passaram.
Terminado o relato de sua história, Jacobina vai
embora e deixa seus amigos em um silêncio reflexivo.
Análise:
Neste conto aparece mais uma vez os temas chaves de
Papéis Avulsos: ser versus parecer, desejo versus máscara, vida pública versus
vida íntima. Através de uma aguda análise do comportamento humano, Machado de
Assis expõe em “O Espelho” que a nossa “alma externa”, ligada ao status e
prestígio social, à imagem que os outros fazem de nós, é muito mais importante
do que a nossa “alma interna”, ou seja, a nossa real personalidade.
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000240.pdf
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O bem amado - Dias Gomes
O Bem-amado foi a
primeira produção da teledramaturgia brasileira a ser gravada a cores. De
autoria do dramaturgo Dias Gomes, que a adaptou de sua própria
peça teatral, intitulada Odorico, o Bem-Amado ou Os Mistérios do Amor e da
Morte, de 1962, ela foi exibida pela Rede Globo de 24 de janeiro a 9 de outubro
de 1973, sob a direção de Régis Cardoso e a coordenação de Daniel Filho.
A narrativa ensaiava, a cada capítulo, uma sátira
da ditadura militar vigente então no país, enquanto descrevia a rotina do povo
que habita uma cidade fictícia no litoral da Bahia. O título desta obra se
refere a Odorico Paraguaçu, magistralmente interpretado por Paulo Gracindo.
Este personagem era um grande fazendeiro, fabricante de azeite de dendê e
candidato à Prefeitura de Sucupira.
Protótipo do homem público envolvido em corrupção e
mil artifícios, Odorico, o amado de todas as mulheres, desprovido de caráter e
inveterado demagogo, inscreve em seu programa partidário, como objetivo
prioritário, a edificação do cemitério municipal. Adorado por seus eleitores e
adulado por seu assessor, o gago Dirceu Borboleta, aprovado incondicionalmente
pelas irmãs Cajazeiras – Doroteia, Dulcineia e Judiceia -, ele consegue
finalmente se eleger.
Uma vez na Prefeitura, Odorico decide finalmente
construir o cemitério, cumprindo seu slogan ‘vote em um homem sério e ganhe um
cemitério’, uma vez que a população, ao morrer, era obrigada a ser enterrada
nas cidades próximas. O problema, porém, é que, assim que ele é entregue, não
há mais mortes em Sucupira, o que leva o Prefeito às raias da revolta. Sem
nenhum defunto, como inaugurar o cemitério?
O prefeito culpa então o novo doutor do município,
o bom profissional Juarez Leão, vivido por Jardel Filho, que, ao cair de amores
pela filha de Odorico, Telma, entra definitivamente na lista negra do político.
Neste rol de adversários estão inscritos também o padre da cidade, a intrépida
delegada Donana Medrado e o proprietário do jornal A Trombeta, Neco Pedreira,
opositores obstinados de seu governo.
A performance de Paulo Gracindo rende as graças do
público para seu personagem, que se vale de um discurso vazio, pontuado por
termos e expressões surreais, muitas delas criadas pelo próprio ator, as quais
marcam para sempre o folclore brasileiro. As irmãs Cajazeiras também se tornam
célebres.
A primogênita, Doroteia, interpretada por Ida
Gomes, é a líder da Câmara de Vereadores; Dulcineia, protagonizada por Dorinha
Duval, é o amor do prefeito; e Judiceia, vivida por Dirce Migliaccio, é a
caçula, a mais atrevida de todas. As solteironas são, aparentemente, as
defensoras da boa moral, mas, nos bastidores, a história é outra.
Outro personagem famoso é Zeca Diabo, matador
interpretado com vigor por Lima Duarte. Nas idas e vindas da história, o
prefeito arma as maiores tramoias para inaugurar seu cemitério. No Chile, em
1966, a trama, adaptada para a realidade deste país, foi ao ar batizada de
Sucupira, atingindo também aí elevada audiência.
Uma nova versão desta narrativa chega às telas dos
cinemas, sob a direção de Guel Arraes, produção de Paula Lavigne e da Globo
Filmes, protagonizada por Marco Nanini e José Wilker, entre outros. A estréia
está prometida para 2010.
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Caminhos Cruzados
Romance urbano do autor Érico Veríssimo,
publicado no ano de 1935, Caminhos Cruzados conta uma história
coletiva, mostrando a sociedade brasileira de forma crítica, contrastando a
riqueza e a pobreza, ressaltando os problemas enfrentado por cada camada
social.
Ao ser publicado, o romance chocou os críticos
literários da época, os quais trataram a obra como imoral e subversiva.
Foi considerada uma obra comunista, ganhando a admiração dos seguidores desta
ideologia e por outro lado, denegrindo a imagem do autor perante o governo
Vargas, coincidindo temporalmente com a Intentona Comunista.
Vários núcleos de personagens vão compondo a
história, e embora se cruzem, se relacionem, não se conhecem. Acaba se
assemelhando a uma novela, pois cada núcleo possui suas características, seus
personagens, seu enredo. Embora muito diferentes, os personagens possuem algo
em comum: a esperança que os move em busca de algo que nem eles mesmos
sabem definir.
Os fatos e os acontecimentos vão se
entrelaçando e formando uma teia, de modo que os personagens possuem vidas
interligadas, porém completamente destacadas umas das outras. Em meio a
esta atmosfera, o autor faz diversas críticas à sociedade burguesa
como era na época (1935, em pleno governo Vargas). Se utiliza de uma
linguagem realista/naturalista para expor de forma explícita os desníveis
existentes entre os grupos sociais. Tendo sido escrito em época de
tensão política e social no país, o livro escandalizou a muitos.
No prefácio que escreveu em 1964, o autor se refere
ao romance como “um livro de protesto que marca a inconformidade ante as
desigualdades, injustiças e absurdos da sociedade burguesa”.
Descrevendo diversos tipos diferentes de
personagens, o autor retrata uma cidade inteira compondo murais através de
suas descrições. Destaca a miséria, a opressão social e a hipocrisia.
Tem como características fortes a aproximação com
as artes plásticas e a temática comum a outros autores da época, que se
inclinavam igualmente à crítica social. Utiliza também a
técnica do contraponto, que consiste em apresentar diferentes pontos de vista
das situações vividas pelas personagens, que independem uma da outra, ou seja,
não estão ligadas a um núcleo maior. Aborda a história de vários grupos
de personagens, cujas histórias acontecem ao mesmo tempo, ou seja, em um
período de cinco dias. A história começa na manhã de sábado e termina
na noite de quarta-feira. As cenas são objetivas, pouco elaboradas e
reproduzem ação contínua.
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RESUMO
O personagem Raimundo Benvindo Silva é um humilde
revisor de textos que, ao revisar um livro sobre a história do cerco de Lisboa,
acaba cometendo propositalmente um erro. Após uma noite conturbada, Raimundo
fica inquieto e acrescenta a palavra “não” a uma frase e, desta forma, altera o
fato histórico que revela o apoio dos cruzados aos portugueses – fator decisivo
para garantir o cerco e a consequente queda de Lisboa. Raimundo envia o texto à
editora para poder ser impresso. Quando o erro é descoberto, a editora resolve
o problema acrescentando uma errata.
Como Raimundo era um revisor experiente, a editora
não o demite, mas contrata uma senhora para supervisionar seu trabalho, Maria
Sara. Ela tenta entender a causa daquele erro, percebe que Raimundo não irá
admitir a alteração e acaba o incentivando a reescrever aquele episódio da
história de Portugal. Raimundo se anima e resolve reescrever o episódio da
tomada de Lisboa sem a participação dos cruzados. Enquanto reescreve a
história, acaba também iniciando um relacionamento amoroso com Maria
Sara.
O herói da história que Raimundo escreve é um
soldado chamado Mogueime, ele se destaca nas lutas, é humano, valente e
bondoso. Ao final, ele passa a assumir a condição de narrador da história.
Mogueime apaixona-se por Ouroana, mas fica com dúvidas se esta aceitará o seu
amor, por ele ser um simples soldado. A história que Raimundo conta se
assemelha à história dele com Maria Sara. Raimundo consegue terminar de
escrever sua narrativa e fica junto de Maria Sara.
CONTEXTO
Sobre o autor
José Saramago foi um escritor português que se consagrou mundialmente, inclusive no Brasil, onde se tornou um dos autores mais lidos. Com sua originalidade, deu grande visibilidade à prosa em língua portuguesa. Ganhou o Prêmio Camões em 1995 e em 1998 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.
José Saramago foi um escritor português que se consagrou mundialmente, inclusive no Brasil, onde se tornou um dos autores mais lidos. Com sua originalidade, deu grande visibilidade à prosa em língua portuguesa. Ganhou o Prêmio Camões em 1995 e em 1998 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.
Importância do livro
Raimundo Benvindo Silva, o personagem principal, altera um fato histórico de um livro que ele deveria apenas revisar e desencadeia uma reflexão sobre a proximidade do texto histórico e do texto literário, sendo esta a mais importante discussão trazida pela obra. A história se desenrola em diferentes planos: a história real do cerco de Lisboa; a história criada por Raimundo, gerada a partir da alteração; e a do narrador, a única a que temos acesso de fato. A pontuação e a narração em diferentes planos são as características mais inusitadas da obra.
Raimundo Benvindo Silva, o personagem principal, altera um fato histórico de um livro que ele deveria apenas revisar e desencadeia uma reflexão sobre a proximidade do texto histórico e do texto literário, sendo esta a mais importante discussão trazida pela obra. A história se desenrola em diferentes planos: a história real do cerco de Lisboa; a história criada por Raimundo, gerada a partir da alteração; e a do narrador, a única a que temos acesso de fato. A pontuação e a narração em diferentes planos são as características mais inusitadas da obra.
Período histórico
História do Cerco de Lisboa retoma um fato histórico de Portugal, misturando o evento real e a ficção. O livro, que trata do fato ocorrido em 1147, foi lançado em 1989.
História do Cerco de Lisboa retoma um fato histórico de Portugal, misturando o evento real e a ficção. O livro, que trata do fato ocorrido em 1147, foi lançado em 1989.
ANÁLISE
Na obra, o personagem Raimundo Silva, revisor de
livros, introduz no livro "História do Cerco de Lisboa" um erro
proposital. O acréscimo do "não" em um livro de história faz nascer a
ficção. Com isso, Saramago propõe uma reflexão sobre o papel do escritor.
Esse ato transforma totalmente o cotidiano do
personagem. Raimundo tinha uma vida pacata e um serviço um pouco monótono,
sempre revisando histórias que tinham sido criadas por outros autores. Esse
“não” representa uma virada em sua vida, pois a alteração lhe possibilitou a
criação da sua própria história. E também uma mudança no aspecto pessoal, já
que aparece Maria Sara, com quem inicia um romance.
Podemos afirmar que, além do cerco histórico da
cidade de Lisboa, também outros cercos vão caindo ao longo da história: o cerco
que lhe impedia de ser autor e o que impedia de comunicar-se com a mulher de
quem gostava. Assim, a obra representa a descoberta da palavra e da escrita
como instrumento de autoconhecimento do ser humano.
Além disso, vemos também o questionamento sobre o
que seria a escrita histórica. Na verdade, a escrita, mesmo quando não tem
intenções ficcionais, é proveniente da interpretação do passado e da visão de
mundo de quem escreve. Sendo assim, a história não é colocada como uma
verdade absoluta, ela é sempre contada de acordo com a escolha, visão e
interpretação de quem escreve.
Ao narrar a história de amor de Mogueime e Ouroana,
Saramago põe foco na questão mais singela que não foi privilegiada no registro
formal, o que também contribui para a reflexão sobre o registro histórico,
mostrando que existe uma escolha por parte do autor. A história de amor vivida
há séculos espelha a história de Raimundo e Maria Sara.
PERSONAGENS
- Raimundo Benvindo Silva: é um solteirão, homem
simples, um pouco solitário, que tem uma vida tranquila trabalhando como
revisor de textos. Até o dia em que decide alterar a História do cerco de
Lisboa e sua vida passa a se agitar com o romance com Maria Sara e com a
escrita da nova história criada a partir dessa alteração.
- O Historiador: é amigo de Raimundo e autor do
livro sobre a História do Cerco de Lisboa.
- O Costa: trabalha na editora que recebe os livros
de Raimundo, é responsável pela produção. Depois da alteração, ele fica
desconfiado e é um pouco duro com Raimundo.
- Maria Sara: uma mulher de pulso firme que foi
contratada pela editora para fazer a revisão final dos livros. A princípio é
dura com Raimundo e chega a se irritar com ele ao tentar descobrir o que causou
o erro, mas depois ficam próximos. Maria Sara é quem incentiva Raimundo a
escrever a história a partir da alteração. Vive com Raimundo um romance.
- O Diretor Literário: é quem recebe Raimundo na
editora após identificarem a alteração. Percebe que o “não” foi colocado
propositalmente pela forma como foi escrito. Raimundo acha que será despedido
por ele, mas considerando os anos de bons serviços prestados, o diretor mantém
Raimundo, alertando que ficariam atentos aos próximos trabalhos.
- Senhora Maria (a mulher-a-dias): é a empregada
doméstica de Raimundo. Única presença feminina em sua casa antes da chegada de
Maria Sara em sua vida.
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Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo
Carolina Maria de Jesus escreveu os diários que compõem a obra entre 1955 e 1960, quando foi finalmente editado e publicado pelo repórter Audálio Dantas, que havia sido encarregado de escrever uma matéria sobre a crescente favela ao redor do Rio Tietê, o Canindé, e acabou por encontrar a escritora e também catadora de papel. Os textos foram produzidos sob o governo de Juscelino Kubitschek, o espírito de “50 anos em 5”, a construção de Brasília e inúmeras outras obras simbolizavam a expansão e crescimento da infraestrutura do Brasil, no entanto, assim como o país se desenvolvia, mais e mais pessoas eram marginalizadas e aglutinadas em favelas sob condições miseráveis, vide o Canindé, lar de Carolina Maria de Jesus e os sofrimentos que relata em seus cadernos.
Resumo da obra:
Quarto de despejo (1960) consiste de um compilado de diários editados por Audálio Dantas, escritos por Carolina Maria de Jesus de maneira intermitente ao longo de 5 anos (entre 1955-1960). Carolina criou sozinha 3 filhos: João José, José Carlos e Vera Eunice na favela do Canindé trabalhando como catadora de papel, e vendendo materiais recicláveis, apesar de ter estudado apenas 2 anos, ela prezava muito pela educação dos filhos e os fazia ir à escola mesmo com medo da violência da favela. Nunca foi casada por escolha, ela retrata dois envolvimentos amorosos (Manoel e Raimundo), não fica com nenhum pois afirmava que conseguia sustentar os filhos sem precisar de homem nenhum. Outro traço sempre presente nos diários é a fome, Carolina muitas vezes sente-se doente e fraca devido à pobre alimentação, ou às vezes nenhuma; fome que deixa o mundo triste e amarelo, segundo a escritora. O leitor se sente tocado ao ver a angústia de Carolina por não conseguir juntar dinheiro o suficiente para comprar comida para alimentar os filhos, e emociona-se igualmente ao ler sobre a felicidade estampada no rosto das crianças quando a mãe conseguia comprar arroz, feijão e carne. Em momentos de maior dificuldade, quando não havia dinheiro algum, a família comia restos encontrados no lixão. Além de seus próprios sofrimentos, Carolina escreve sobre a realidade na favela, ela toca em assuntos presente no seu cotidiano, como a violência doméstica, muitas vezes causada pelo alcoolismo, e brigas entre vizinhos. A escritora, como sempre foi contra todo tipo de violência sempre chamando a polícia era chamada pelos vizinhos de intrometida. Carolina Maria de Jesus, preocupava-se com a situação político- social do país, falando em nome de todos os marginalizados do país, seus diários são a melhor descrição de realidade das favelas brasileiras da época (ou até mesmo das atuais). Após a publicação de Quarto de despejo (1960), que foi traduzido para 13 línguas, Carolina mudou-se para uma casa no subúrbio, e se por um lado Carolina conquistou o apreço dos leitores com sua escrita ora coloquial, ora rebuscada, conquistou também o desprezo de seus vizinhos do Canindé por escrever “coisas ruins” sobre eles.
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Sermão
de Quarta-feira de Cinzas
http://www.iphi.org.br/sites/filosofia_brasil/Padre_Ant%C3%B4nio_Vieira_-_Serm%C3%B5es.pdf
Excertos da leitura do Sermão de Quarta-feira de Cinzas, do
P. António Vieira, lidos pelo actor Luís Miguel Cintra na Igreja de Santa
Isabel (Lisboa), a 4 de Março de 2010.
1.ª parte: Duas
coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes,
ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não
é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa,
que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura,
mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que
duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois
pó, e em pó vos haveis de converter. Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de
converter, é a futura.
2.ª parte: Apareceu
Deus ao mesmo Moisés nos desertos de Midiã; manda-o que leve a nova da
liberdade ao povo cativo, e perguntando Moisés quem havia de dizer que o
mandava, para que lhe dessem crédito, respondeu Deus e definiu-se: Ego sum qui
sum: Eu sou o que sou. E que nome, ou que distinção é esta? Também
Moisés é o que é, também Faraó é o que é, também o povo, com que há de falar, é
o que é. Pois se este nome e esta definição toca a todos e a tudo, como a toma
Deus só por sua?
3.ª parte: Notai.
Esta nossa chamada vida não é mais que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó
que fomos ao pó que havemos de ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor,
outros mais pequeno, outros mínimo. Mas, ou o caminho seja largo, ou breve, ou
brevíssimo, como é círculo de pó a pó, sempre e em qualquer parte da vida somos
pó. Quem vai circularmente de um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se
aparta dele tanto mais se chega para ele; e quem quanto mais se aparta mais se
chega, não se aparta. O pó que foi nosso princípio, esse mesmo, e não outro, é
o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto
mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele; o passo que
nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz. E
como esta roda que anda e desanda juntamente sempre nos vai moendo, sempre
somos pó.
4.ª parte: Ah!
pó, se aquietaras e pararas aí! Mas pó assoprada, e com vento, como havia de
aquietar? Ei-la abaixa, ei-lo acima, e tanto acima, e tanto abaixo, dando uma
tão grande volta, e tantas voltas. Já senhor do universo, já escravo de si
mesma; já só, já acompanhado; já nu, já vestido; já coberta de folhas; já de
peles; já tentada, já vencido; já homiziada, já desterrada; já pecador, já
penitente, e para maior penitência, pai, chorando os filhos, lavrando a terra,
recolhendo espinhos por frutos, suando, trabalhando, lidando, fatigando, com
tantos vaivéns do gosto e da fortuna, sempre em uma roda viva. Assim andou
levantado o pó enquanto durou o vento. O vento durou muito, porque naquele
tempo eram mais largas as vidas, mas alfim parou. E que lhe sucedeu no mesmo
ponto a Adão? O que sucede ao pó. Assim como o vento a levantou, e o sustinha,
tanto que o vento parou, caiu. Pó levantado, Adão vivo; pó caído, Adão
morto: Et mortus est.
5.ª parte: Abri
aquelas sepulturas, diz Agostinho, e vede qual é ali o senhor e qual o servo;
qual é ali o pobre e qual o rico? Discerne, si potes: distingui-me
ali, se podeis, o valente do fraco, o formoso do feio, o rei coroado de ouro do
escravo de Argel carregado de ferros? Distingui-los? Conhecei-los? Não por
certo. O grande e o pequeno, o rico e o pobre, o sábio e o ignorante, o senhor
e o escravo, o príncipe e o cavador, o alemão e o etíope, todos ali são da
mesma cor.
6.ª parte: Ninguém
morre para estar sempre morto; par isso a morte nas Escrituras se chama sana.
Os vivos caem em terra com o sono da morte: os mortos jazem na sepultura
dormindo, sem movimento nem sentido, aquele profundo e dilatado letargo; mas
quando o pregão da trombeta final os chamar o juízo, todos hão de acordar e
levantar-se outra vez. Então dirá cada um com Davi: Ego
dormivi, et soporatus sum, et esxurrexi. Lembre-se pois o pó caído
que há de ser pó levantado. Assim como eu sendo homem, porque fui pó, e hei de
tornar a ser pó, sou pó, assim tu, sendo pó, porque foste homem, e hás de
tornar a ser homem, és homem.
7.ª parte: Quando
considero na vida que se usa, acho que não vivemos como mortais, nem vivemos
como imortais. Não vivemos como mortais, porque tratamos das coisas desta vida
como se esta vida fora eterna. Não vivemos como imortais, porque nos esquecemos
tanto da vida eterna, como se não houvera tal vida.
Ora, senhores, já que somos cristãos,
já que sabemos que havemos de morrer e que somos imortais, saibamos usar da
morte e da imortalidade. Tratemos desta vida como mortais, e da outra como
imortais. Pode haver loucura mais rematada, pode haver cegueira mais cega que
empregar-me todo na vida que há de acabar, e não tratar da vida que há de durar
para sempre? Cansar-me, afligir-me, matar-me pelo que forçosamente hei de
deixar, e do que hei de lograr ou perder para sempre, não fazer nenhum caso!
Tantas diligências para esta vida, nenhuma diligência para a outra vida? Tanto
medo, tanto receio da morte temporal, e da eterna nenhum temor? Mortos, mortos,
desenganai estes vivos. Dizei-nos que pensamentos e que sentimentos foram os
vossos quando entrastes e saístes pelas portas da morte? A morte tem duas
portas: Qui exaltas me de portis mortis. Uma porta de vidro, por
onde se sai da vida, outra porta de diamante, por onde se entra à eternidade.
Entre estas duas portas se acha subitamente um homem no instante da morte, sem
poder tornar atrás, nem parar, nem fugir, nem dilatar, senão entrar para onde
não sabe, e para sempre. Oh! que transe tão apertado! Oh! que passo tão
estreito! Oh! que momento tão terrível!
Aristóteles disse que entre todas as coisas terríveis, a mais terrível
é a morte. Disse bem mas não entendeu o que disse. Não é terrível a morte pela
vida que acaba, senão pela eternidade que começa. Não é terrível a porta por
onde se sai; a terrível é a porta por onde se entra. Se olhais para cima, uma
escada que chega até o céu; se olhais para baixo, um precipício que vai parar
no inferno, e isto incerto.
Dormindo Jacob sobre uma pedra, viu aquela escada que chegava da
terra até o céu, e acordou atônito gritando: Terribilis est locus
iste! Oh! que terrível lugar é este (Gen. 18,17)! E por que é
terrível, Jacob? Non est híc aliud nisi domus Dei et porta
caeli: Porque isto não é outra coisa senão a porta do céu. –
Pois a portado céu a porta da bem-aventurança é terrível? Sim. Porque é uma
porta que se pode abrir e que se pode fechar. E aquela porta, que se abriu para
as cinco virgens prudentes, e que se fechou para as cinco néscias: Et clousa
est janua (Mt. 25,10). E se esta porta é terrível para quem
olha só para cima, quão terrível será para quem olhar para cima e mais para
baixo? Se é terrível para quem olha só para o céu, quanto mais terrível será
para quem olhar para o céu e para o inferno juntamente? Este é o mistério de
toda a escada, em que Jacob não reparou inteiramente, como quem estava
dormindo.
Bem viu Jacob que pela escada subiam e desciam anjos, mas não
reparou que aquela escada tinha mais degraus para descer que para subir: para
subir era escada da terra até o céu, para descer era escada do céu até o
inferno; para subir era escada por onde subiram anjos a ser bem-aventurados,
para descer era escada por onde desceram anjos a ser demónios. Terrível escada
para quem não sobe, porque perde o céu e a vista de Deus, e mais terrível para
quem desce, porque não só perdeu o céu e a vista de Deus, mas vai arder no
inferno eternamente. Esta é a visão mais que terrível que todos havemos de ver;
este o lugar mais que terrível por onde todos havemos de passar, e por onde já
passaram todos os que ali jazem. Jacob jazia sobre a pedra; ali a pedra jaz
sobre Jacob, ou Jacob debaixo da pedra. Já dormiram o seu sono: Dormierunt
somnum suum (Sl. 75, 6); já viram aquela visão; já subiram ou
desceram pela escada. Se estão no céu ou no inferno, Deus o sabe; mas tudo se
averiguou naquele momento. Oh! que momento, torno a dizer, oh! que passo, oh!
que transe tão terrível! Oh que temores, oh! que aflição, oh! que angústias!
Ali, senhores, não se teme a morte, teme-se a vida. Tudo o que ali dá pena, é
tudo o que nesta vida deu gosto, e tudo o que buscamos por nosso gosto, muitas
vezes com tantas penas. Oh! que diferentes parecerão então todas as coisas
desta vida! Que verdades, que desenganos, que luzes tão claras de tudo o que
neste mundo nos cega! Nenhum homem há naquele ponto que não desejara muito uma
de duas: ou não ter nascido, ou tornar a nascer de novo, para fazer uma vida
muito diferente. Mas já é tarde, já não há tempo: Quia tempus
non erit amplius (Apc. 10,6).
Cristãos e senhores meus, por misericórdia de Deus ainda estamos
em tempo. É certo que todos caminhamos para aquele passo, é infalível que todos
havemos de chegar, e todos nos havemos de ver naquele terrível momento, e pode
ser que muito cedo. Julgue cada um de nós, se será melhor arrepender-se agora,
ou deixar o arrependimento para quando não tenha lugar, nem seja
arrependimento. Deus nos avisa, Deus nos dá estas vozes; não deixemos passar
esta inspiração, que não sabemos se será a última. Se então havemos de desejar
em vão começar outra vida, comecemo-la agora: Dixi: nunc caepi.
Comecemos de hoje em diante a viver como quereremos ter vivido na
hora da morte. Vive assim como quiseras ter vivido quando morras. Oh! que
consolação tão grande será então a nossa, se o fizermos assim! E pelo
contrário, que esconsolação tão irremediável e tão desesperada, se nos
deixarmos levar da corrente, quando nos acharmos onde ela nos leva! É possível
que me condenei por minha culpa e por minha vontade, e conhecendo muito bem o
que agora experimento sem nenhum remédio? É possível que por uma cegueira de
que me não quis apartar, por um apetite que passou em um momento, hei de arder
no inferno enquanto Deus for Deus? Cuidemos nisto, cristãos, cuidemos nisto. Em
que cuidamos, e em que não cuidamos? Homens mortais, homens imortais, se todos
os dias podemos morrer, se cada dia nos imos chegando mais à morte, e ela a
nós, não se acabe com este dia a memória da morte. Resolução, resolução uma
vez, que sem resolução nada se faz. E para que esta resolução dure e não seja
como outras, tomemos cada dia uma hora em que cuidemos bem naquela hora. De
vinte e quatro horas que tem o dia, por que se não dará uma hora à triste alma?
Esta é a melhor devoção e mais útil penitência, e mais agradável a
Deus, que podeis fazer nesta quaresma. Tomar uma hora cada dia, em que só por
só com Deus e conosco cuidemos na nossa morte e na nossa vida. E porque espero
da vossa piedade e do vosso juízo que aceitareis este bom conselho, quero
acabar deixando-vos quatro pontos de consideração para os quatro quartos desta
hora. Primeiro: quanto tenho vivido? Segundo: como vivi? Terceiro: quanto posso
viver? Quarto: como é bem que viva? Torno a dizer para que vos fique na
memória: Quanto tenho vivido? Como vivi? Quanto posso viver? Como é bem que
viva?
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